Com o avanço das plataformas de streaming, o sucesso das novelas brasileiras e o prestígio de minisséries históricas, cidades pequenas de todo o Brasil têm se transformado em verdadeiros sets de filmagem a céu aberto. Essas localidades, muitas vezes fora do radar turístico tradicional, ganham visibilidade nacional e internacional ao servirem de cenário para obras de grande audiência. O impacto é imediato: além da projeção simbólica, essas cidades recebem novos visitantes, movimentam a economia local e passam a fazer parte do imaginário coletivo do país.
A escolha por cidades pequenas não é apenas estética. Em tempos de saturação urbana, as produções buscam autenticidade, silêncio, paisagens naturais e arquiteturas preservadas — elementos que muitos desses municípios oferecem com generosidade. Casarões coloniais, igrejas barrocas, vilarejos ribeirinhos, vales místicos e formações rochosas singulares se tornaram protagonistas tanto quanto os atores. As locações acabam assumindo papel narrativo nas tramas, moldando atmosferas, aprofundando personagens e conectando o público a um Brasil profundo, belo e muitas vezes esquecido.
Essa visibilidade não fica restrita à tela. Assim que a obra vai ao ar, o interesse pelas locações se intensifica. Turistas buscam os mesmos pontos onde cenas foram gravadas, hotéis e pousadas se beneficiam do fluxo gerado pela curiosidade e roteiros de “turismo cinematográfico” começam a surgir. Cidades como Cabaceiras, Paraty, Carrancas e Pirenópolis experimentaram verdadeiras transformações depois de aparecerem em novelas e séries. Para muitas delas, o audiovisual tornou-se um motor de desenvolvimento cultural e econômico — e uma nova forma de existir no mapa afetivo dos brasileiros.

Cabaceiras, no coração do Cariri paraibano, é conhecida como a “Roliúde Nordestina” por um motivo claro: suas paisagens áridas e casas de cal branco serviram de pano de fundo para mais de 50 filmes e séries. Foi em suas ruas que se desenrolaram cenas icônicas de “O Auto da Compadecida” (2000), uma das obras mais cultuadas da televisão brasileira. Mais recentemente, voltou ao centro das atenções como cenário da série da Amazon Prime “Cangaço Novo” (2023), que reforçou sua imagem como território simbólico do sertão cinematográfico. Também abrigou as filmagens de “Cinema, Aspirinas e Urubus” (2005), longa indicado à Palma de Ouro em Cannes. A cidade virou objeto de turismo cinematográfico, com roteiros guiados por locações de filmes. Pequena e remota, Cabaceiras tornou-se uma potência narrativa. Seu silêncio e suas pedras contam histórias que o Brasil inteiro reconhece. É o exemplo máximo de como uma cidade pode se tornar uma estrela de tela cheia. E continua sendo requisitada por produções nacionais e internacionais.

Com seu casario colonial e ruas de pedra, Pirenópolis é uma joia do interior de Goiás — e agora, também da dramaturgia nacional. A cidade foi escolhida como locação principal da novela do Globoplay “Todas as Flores” (2022–2023), trazendo visibilidade instantânea ao município. Antes disso, já havia sido cenário para partes da novela “Araguaia” (2010) e de cenas espirituais em “Além do Tempo” (2015). Suas igrejas históricas, cachoeiras e montanhas proporcionam uma estética fotogênica e ao mesmo tempo ancestral. Com a exibição das novelas, o turismo cresceu sensivelmente, sobretudo entre casais e fãs de tramas românticas e místicas. Pirenópolis passou a ser identificada como um local de reencontros e recomeços. Sua estética colonial ganhou um novo público graças ao streaming. Em vez de só preservar história, a cidade agora produz mitologia pop. E tornou-se destino de peregrinação para fãs da teledramaturgia.

A pacata e encantadora Carrancas, em Minas Gerais, tornou-se uma espécie de “vale espiritual” das novelas brasileiras. Sua estreia em grande estilo se deu com “Espelho da Vida” (2018), novela da Globo que misturava espiritismo, vidas passadas e metalinguagem cinematográfica. Suas cachoeiras, grutas e vales inspiraram os diretores na criação de cenários que flutuavam entre o presente e o século 19. Carrancas também apareceu em cenas de “Além do Tempo” (2015), reforçando sua imagem mística. Com o sucesso das novelas, a cidade passou a receber turistas atraídos por trilhas, retiros espirituais e buscas pessoais. Alguns lugares mostrados nas novelas se tornaram pontos de selfie e oração. Carrancas, com menos de 5 mil habitantes, entrou na imaginação nacional como o “cenário da alma”. Suas paisagens não são apenas belas: parecem curar. E hoje, seu nome está ligado a experiências profundas, tanto na ficção quanto na vida real.

Às margens do Rio São Francisco, Penedo é uma cidade histórica marcada pela presença portuguesa e pelo casario barroco. Foi um dos cenários principais da novela “Velho Chico” (2016), que retratou com beleza e lirismo o universo das comunidades ribeirinhas. As cenas nas igrejas, nas feiras e nas embarcações mostraram o cotidiano do povo do Velho Chico com uma fotografia digna de cinema. Também serviu como locação parcial para “Cordel Encantado” (2011) e é frequentemente referida em novelas que falam do sertão nordestino. Com a exibição de “Velho Chico”, Penedo passou a ser visitada por turistas em busca de história e poesia. A cidade viu sua imagem ser renovada: de patrimônio esquecido a joia do São Francisco. Produções futuras já cogitam voltar para filmar novas tramas. Hoje, Penedo é sinônimo de beleza à beira-rio — e da fusão entre arte e tradição.

Localizada nos cânions do Xingó, Canindé de São Francisco foi catapultada à fama após se tornar cenário da novela “Cordel Encantado” (2011), sucesso da Globo que misturava contos de fadas com sertão nordestino. As formações rochosas cinematográficas e o Rio São Francisco emolduraram a história de amor entre príncipes e cangaceiros. Antes da novela, Canindé era pouco conhecida fora da região; depois, tornou-se rota turística. Lanchas passaram a levar visitantes aos mesmos pontos onde os personagens se encontraram, esconderam ou lutaram. O impacto foi tão forte que a cidade adotou o turismo audiovisual como uma de suas vocações. Guias locais contam histórias misturando ficção e realidade. A estética singular do Xingó agora está eternizada no imaginário brasileiro. E tudo começou com um “cordel”.

São Francisco do Sul, cidade portuária de Santa Catarina, foi uma das principais locações da minissérie “A Casa das Sete Mulheres” (2003), baseada no livro de Letícia Wierzchowski. O casario colonial bem preservado foi fundamental para ambientar o drama histórico da Revolução Farroupilha. Suas ruas silenciosas e fachadas centenárias transportaram o público para o século 19. Após a minissérie, a cidade entrou no circuito cultural e histórico nacional. Visitantes procuravam os mesmos cantos onde Anita Garibaldi e Giuseppe caminharam. O turismo histórico cresceu, impulsionado por escolas e roteiros educativos. A cidade descobriu um novo perfil de visitante: aquele que quer ver a história “ao vivo”. Desde então, São Francisco do Sul se consolidou como palco de época. E como guardiã de um Brasil épico.

Paraty já era conhecida por sua arquitetura colonial, mas foi alçada a novo patamar após virar cenário de produções de alcance global. A minissérie “A Muralha” (2000), da Globo, ambientada no Brasil colônia, foi inteiramente filmada em suas ruas de pedra. Depois, cenas do filme “Crepúsculo: Amanhecer — Parte 1” (2011) foram gravadas em uma casa luxuosa na região, transformando o local em destino romântico internacional. Também apareceu em “Novo Mundo” (2017), reforçando seu vínculo com produções de época. Desde então, o turismo de cinema e casamento explodiu na cidade. Paraty virou cenário real de sonhos, casamentos, séries e romances. O que era apenas história virou desejo global. E sua imagem não para de se expandir — entre passado e fantasia.

Diamantina é patrimônio da humanidade — e também da teledramaturgia. A cidade serviu de cenário para a icônica novela “Chica da Silva” (1996), da Manchete, que dramatizou a ascensão de uma ex-escrava à elite colonial. Também apareceu na minissérie “JK” (2006), contando a infância do ex-presidente Juscelino Kubitschek. Suas ruas estreitas, igrejas barrocas e casarões fizeram da cidade um cenário pronto para o drama histórico. Depois das produções, Diamantina virou roteiro cultural consolidado. Grupos escolares e turistas procuram os passos de Chica e JK. A cidade se transformou em palimpsesto: cada parede guarda uma cena, real ou ficcional. Diamantina é cinema de rua — e de resistência.

A pequena e histórica Bananal, no Vale do Paraíba paulista, foi escolhida como cenário da versão moderna da novela “Saramandaia” (2013), que recriou o universo surreal e político de Dias Gomes. A cidade serviu de locação para a fictícia Bole-Bole, misturando barroco, realismo mágico e crítica social. A produção exigia um lugar com aparência do passado, mas energia para falar do futuro — e Bananal cumpriu o papel. A repercussão atraiu visitantes interessados nos bastidores e nos encantos do surrealismo televisivo. Após a novela, o turismo cultural cresceu timidamente, mas com qualidade. Bananal entrou no mapa das locações com personalidade. E se mostrou capaz de conter em si um país fantástico.

Quixadá, com suas formações rochosas monumentais, foi cenário da série da Netflix “O Cangaceiro do Futuro” (2022), estrelada por Edmilson Filho. A trama mistura comédia, ficção científica e sertão, e as locações de Quixadá deram à série um visual poderoso e original. As pedras gigantes e paisagens inóspitas pareciam saídas de um faroeste distópico. O lançamento da série colocou a cidade em destaque nas redes sociais e blogs de turismo. Muitos procuraram os pontos mostrados na ficção para experimentar o “sertão cinematográfico”. Quixadá é agora símbolo de um novo Nordeste no audiovisual: ousado, estético, pop. E suas pedras contam uma nova história — com muita luz e câmera.