A previsibilidade é um desafio intrínseco às comédias românticas. Embora a familiaridade seja um de seus atrativos, o excesso de fórmulas pode levar à repetição exaustiva. “Queimando o Filme”, uma releitura do australiano “Cinco Chances Para Ser Feliz”, tenta escapar desse ciclo ao mesclar referências culturais distintas e um humor autodepreciativo. No centro da narrativa, Simone Ashley redefine um arquétipo saturado, imprimindo uma presença magnética que desestabiliza expectativas preestabelecidas.
Pia, a protagonista, é uma fotógrafa cujo compromisso com sua visão artística a mantém distante do sucesso financeiro. Seu pequeno estúdio sobrevive graças ao apoio incondicional de Jay, interpretado por Luke Fetherston, cuja sintonia com Ashley não apenas injeta humor à trama, mas também levanta um questionamento central: o romance deveria ser mesmo a espinha dorsal da história? Embora o roteiro force uma reconexão entre Pia e seu ex-namorado Charlie (Hero Fiennes Tiffin), a química entre os personagens aponta para uma possibilidade mais envolvente, deslocando o foco convencional do enredo.
A iminência do casamento de Sonal, irmã de Pia, adiciona camadas à narrativa ao explorar o embate entre tradição e autodeterminação. Mais do que um evento luxuoso, a cerimônia reflete pressões sociais e expectativas familiares, evidenciando a tensão silenciosa que acompanha a chegada dos trinta anos. A figura materna, sempre pronta para lembrar Pia de sua suposta urgência romântica, personifica essa cobrança. O diferencial, no entanto, está na recusa do filme em simplesmente reforçar essa lógica. Em vez disso, ele a desconstrói, permitindo que a jornada da protagonista transite para algo além da necessidade de um relacionamento como ponto de chegada.
Esse desvio de foco ganha um elemento narrativo peculiar com a introdução de uma profecia: segundo uma vidente, Pia encontrará sua alma gêmea entre cinco encontros predestinados. O conceito, que poderia facilmente escorregar para o lugar-comum, funciona como uma sátira ao desejo contemporâneo de encaixar o amor em fórmulas exatas. Cada encontro, mais absurdo do que o anterior, transforma-se em uma crítica bem-humorada às idiossincrasias dos rituais modernos de conquista. Um dos momentos mais inspirados surge em uma aula de ioga conduzida por um guru narcisista (Phil Dunster), cujo exagero deliberado transcende a piada superficial e satiriza o mercado da espiritualidade instantânea.
Porém, quando o enredo se volta para o reencontro de Pia e Charlie, perde parte do frescor. O dilema amoroso carece de peso dramático suficiente para convencer, especialmente diante da dinâmica muito mais orgânica entre Pia e Jay. O que poderia ser um conflito emocional genuíno torna-se previsível, desperdiçando a oportunidade de tensionar melhor as relações estabelecidas. Essa escolha narrativa enfraquece o impacto da conclusão, que poderia ter explorado de maneira mais ousada os caminhos alternativos que a trama insinua, mas não abraça por completo.
Ainda assim, “Queimando o Filme” encontra mérito na forma como sua identidade cultural se manifesta sem se tornar mero artifício decorativo. A diretora Prarthana Mohan e a roteirista Nikita Lalwani integram a herança indiana de Pia à narrativa sem recorrer a estereótipos simplistas. A grandiosidade dos rituais, as trocas familiares e as referências musicais não são apenas elementos estéticos, mas partes constituintes do conflito interno da protagonista.
Visualmente, a obra adota um estilo seguro, sem grandes experimentações. Montagens musicais e telas divididas são usadas de maneira funcional, mas acabam reforçando a sensação de um produto que, em termos visuais, poderia ousar mais. Esse conservadorismo, contudo, não chega a comprometer o humor ou a força dos diálogos, que equilibram sarcasmo e autenticidade. Ainda assim, há uma lacuna evidente no aproveitamento do potencial imagético do filme, que poderia ter explorado com mais audácia seu viés satírico.
O verdadeiro eixo narrativo não está no romance, mas no percurso de Pia em direção a um entendimento mais profundo de si mesma. Apesar das limitações impostas pelo formato da comédia romântica tradicional, a obra se destaca ao inverter a lógica do gênero e transformar a busca pelo amor em um subtexto, e não no objetivo final. Simone Ashley conduz essa jornada com uma presença que transcende o texto, elevando um roteiro convencional a algo mais instigante.
A ironia mais contundente talvez esteja no fato de que o filme que tenta vender uma história de amor se torna mais relevante quando abandona essa premissa e se entrega ao retrato de uma protagonista que não se apressa para se encaixar. Em um mundo que dita prazos e padrões de felicidade, a recusa de Pia em seguir esse roteiro pré-definido se revela o verdadeiro ato revolucionário da narrativa.
★★★★★★★★★★