Poucas vezes somos surpreendidos por produções que desafiam expectativas e proporcionam uma experiência imersiva. “O Alfaiate”, dirigido por Graham Moore e disponível na Netflix, é uma dessas raridades. Lançado em 2022, o filme combina drama e suspense com uma narrativa inspirada em histórias mafiosas. Sustentado por um roteiro meticuloso e atuações intensas, apresenta Leonard, um alfaiate britânico interpretado com precisão por Mark Rylance, que reconstrói sua vida em Chicago na década de 1950.
Reconhecido pelo Oscar por seu roteiro em “O Jogo da Imitação”, Graham Moore confirma sua habilidade de criar narrativas complexas e tensas. Leonard, com seus gestos calculados e uma obsessão por detalhes, reflete sua personalidade em cada terno que confecciona. Seu passado na Inglaterra aparece como fragmentos sutis — uma guerra enfrentada, a fuga de uma modernidade simbolizada pelas calças jeans. Em Chicago, ele dedica seu talento a clientes que incluem chefes mafiosos como Roy Boyle, vivido por Simon Russell Beale.
A alfaiataria é mais do que um local de trabalho; é um palco onde interações humanas são mediadas por detalhes quase imperceptíveis. Leonard, ao lado de sua assistente Mable (Zoey Deutch), equilibra pedidos exigentes e a presença de clientes potencialmente perigosos. Mable, inicialmente vista como apenas eficiente, revela gradativamente uma personalidade afiada e estratégica, adicionando camadas à narrativa.
Para Leonard, um terno é mais do que vestimenta; é a extensão da identidade do cliente. Mas essa crença é testada quando sua loja se torna o epicentro de negociações mafiosas. Personagens como Richie (Dylan O’Brien) e Francis (Johnny Flynn) trazem dinamismo à trama, intensificando os conflitos. Uma escuta clandestina descoberta na alfaiataria eleva a tensão e coloca Leonard e Mable em situações cada vez mais arriscadas.
A principal força do filme está na maneira como Moore manipula as expectativas do público. A cada cena, novas camadas dos personagens são reveladas, desmontando preconceitos e expondo alianças inesperadas. Leonard, apesar de sua aparente fragilidade, emerge como um estrategista perspicaz, enquanto Mable surpreende com sua lealdade ambígua e aspirações ocultas. Esse jogo de revelações garante que a narrativa mantenha o espectador constantemente engajado.
A direção de Moore se destaca pela atenção minuciosa aos detalhes. O ambiente fechado da alfaiataria funciona como um microcosmo de tensões sociais e emocionais. A cenografia autêntica dos anos 1950 e o uso inteligente do espaço claustrofóbico criam uma atmosfera densa, enquanto os figurinos transcendem sua função estética, simbolizando poder e status.
Mark Rylance entrega uma atuação memorável, equilibrando vulnerabilidade e autocontrole. Sua presença em cena é magnética, enquanto Zoey Deutch e Simon Russell Beale oferecem contrapontos igualmente convincentes. Dylan O’Brien e Johnny Flynn adicionam intensidade e dinamismo, mantendo os conflitos emocionais sempre presentes.
“O Alfaiate” transcende os limites do thriller tradicional. Embora beba da fonte de filmes de máfia, opta por explorar nuances e complexidades em vez de clichês. A história equilibra o estudo de personagens com uma trama de manipulação e sobrevivência. Moore demonstra que o verdadeiro suspense reside nos silências e nos gestos repletos de intenção, em vez de explosões ou confrontos diretos.
Com roteiro afiado, atuações marcantes e uma direção primorosa, “O Alfaiate” é um exemplo de cinema sofisticado. Mais do que um relato sobre máfia ou moda, é uma reflexão sobre identidade, poder e adaptação. Ao final, deixa no espectador a sensação de ter assistido a algo que ultrapassa o mero entretenimento, oferecendo uma experiência cinematográfica memorável.
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