Visto por 110 milhões de espectadores, drama baseado em escândalo farmacêutico real, na Netflix Brian Douglas / Netflix

Visto por 110 milhões de espectadores, drama baseado em escândalo farmacêutico real, na Netflix

O capitalismo transforma tudo em mercadoria, e a indústria cultural, por sua vez, encontra no dinheiro e nos métodos mais vis de obtê-lo uma fonte inesgotável de histórias. Seja em canções, livros ou filmes, esses relatos se destacam por expor os extremos a que se pode chegar para conquistar o topo, um tema que “Máfia da Dor”, de David Yates, explora com audácia.  

Com uma narrativa que pulsa em ritmo acelerado, repleta de diálogos incisivos e cenas que oscilam entre grandiosidade e melancolia, o filme encontra sua força no crescimento notável de sua protagonista. Emily Blunt domina a tela com uma performance cativante, transitando com maestria entre momentos de fragilidade e de poder. Sua personagem, Liza Drake, não apenas acompanha a narrativa; ela a eleva, especialmente nas transições dramáticas que conduzem a história rumo a um desfecho intrigante e multifacetado.  

A trama se desenrola na Flórida, em 2011. Sob um céu claro, Liza corta a estrada, reflexiva sobre os eventos que marcaram sua trajetória. Desviando-se de um caminho de destruição, ela acredita ter encontrado um novo rumo — ainda que, em sua essência, este seja igualmente ambíguo. Baseado no livro de Evan Hughes, “The Hard Sell: Crime and Punishment at an Opioid Startup”, o roteiro de Wells Tower equilibra sagacidade e profundidade, desenhando uma personagem complexa, cujos passos são bruscamente interrompidos por Pete Brenner, interpretado por Chris Evans. Vestido impecavelmente, ele interrompe a narrativa com um aviso direto: os erros que cometeram não serão amenizados.  

Liza e Brenner são figuras centrais em um enredo que mistura oportunismo e tragédia. O primeiro encontro deles acontece em um clube noturno onde ela trabalha como stripper. Brenner, um visionário inescrupuloso, percebe nela um talento que poucos enxergariam em tal contexto. Ele a recruta para a Zanna, uma startup farmacêutica à beira do colapso, apostando no potencial dela para convencer investidores a mergulharem de cabeça no Lonafen, um analgésico à base de fentanil. Comercializado com alegações enganosas sobre sua concentração de morfina, o medicamento se torna uma porta de entrada para o vício em milhões de americanos, transformando a Zanna de um empreendimento decadente em um império farmacêutico.  

O auge da Zanna é tão impressionante quanto efêmero. Liza, de mãe solteira lutando para sustentar a filha Phoebe (vivida por Chloe Coleman) e a mãe Jackie (Catherine O’Hara, em um papel que equilibra o humor e o drama), ascende socialmente ao lado de Brenner. Mas, como um espelho da indústria que os impulsionou, o declínio é inevitável. Yates conduz essa descida com a mesma intensidade que marcou a ascensão, revelando as consequências devastadoras de uma ambição desmedida.  

No final, há uma ilusão de redenção. Liza parece estar em paz, mas a narrativa deixa claro que, assim como o sistema que a moldou, nada é tão simples quanto parece. “Máfia da Dor” não oferece respostas fáceis, mas um retrato contundente de uma sociedade onde os limites éticos são frequentemente sacrificados em nome do lucro. 

Filme: Máfia da Dor
Diretor: David Yates
Ano: 2023
Gênero: Crime/Drama
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★