Uma pérola do faroeste moderno que você precisa descobrir na Netflix Divulgação / Netflix

Uma pérola do faroeste moderno que você precisa descobrir na Netflix

Personagens movidos por um desejo feroz de retaliação têm sido combustível infalível para grandes narrativas cinematográficas. É nessa trilha de sangue e justiça que “Vingança e Castigo”, estreia de Jeymes Samuel como diretor de longa-metragem, encontra sua identidade. Apesar de não revolucionar o gênero do faroeste, a obra traz frescor ao cenário clássico com uma abordagem estilizada e um elenco sintonizado em perfeita harmonia. Longe de ser um mocinho tradicional, o protagonista Nat Love, interpretado com intensidade por Jonathan Majors, caminha pela linha tênue entre o herói e o fora da lei, conduzindo o espectador por uma história de vingança onde a justiça se desfigura em sede de sangue.

A trama se desvela com a brutalidade que marca o assassinato dos pais de Nat Love, evento que finca a raiz da sua busca por reparação. Rufus Buck, encarnado com frieza por Idris Elba, é o antagonista cuja presença magnética transforma a narrativa em um jogo mortal de espelhos. O duelo entre eles não é apenas um confronto de homens armados, mas um embate de concepções de mundo e de sobrevivência em uma sociedade que não oferece redenção fácil, especialmente a homens negros.

Samuel, também conhecido por seu trabalho em “They Die by Dawn” (2013), conduz “Vingança e Castigo” com pulso firme e uma visão clara. A direção de arte vibrante e a trilha sonora com influências contemporâneas injetam energia à trama, dando-lhe um dinamismo raro em filmes do gênero. Além disso, a inclusão de personagens complexos e de um elenco predominantemente negro oferece um olhar que desafia a tradição dos westerns, frequentemente marcada pela hegemonia branca.

Zazie Beetz, no papel de Stagecoach Mary, adiciona camadas de sensualidade e resiliência, sua química com Majors é palpável e às vezes explosiva. O duelo de personalidades não se limita aos protagonistas; cada personagem secundário, de Regina King a LaKeith Stanfield, traz uma peça única para esse quebra-cabeça de vingança e redenção.

Nat Love, com sua moralidade oscilante, é uma figura que ressoa com os anti-heróis de Clint Eastwood e os personagens niilistas de Sergio Leone. Aqui, a homenagem ao western clássico se mistura com uma consciência racial moderna, refletindo as complexidades da identidade negra. Samuel constrói seu protagonista como um espécime do próprio oeste: imprevisível, violento e carregado de uma história que não se pode apagar.

É impossível ignorar as referências a “Django Livre” (2012), de Quentin Tarantino, e “Infiltrado na Klan” (2018), de Spike Lee. Enquanto Tarantino subverte o mito do escravo vingador, Samuel usa o contexto histórico da pós-13ª Emenda para comentar as dinâmicas sociais e raciais que ainda ressoam no presente. A obra não se limita à vingança pessoal; ela provoca reflexões sobre o racismo estrutural e os preconceitos internos que podem corroer uma comunidade.

Assim como Dostoiévski explorou a psique de Raskólnikov em “Crime e Castigo”, Samuel disseca os dilemas morais de Nat Love. Ambos os personagens encaram a justiça através da dor, ambos confrontam suas próprias sombras em busca de redenção, e ambos são produtos de um século marcado por rupturas sociais e morais.

“Vingança e Castigo” é uma bala certeira em um gênero tradicional, uma história que à primeira vista parece familiar, mas que se desdobra com complexidade e vigor. Samuel não apenas honra o faroeste clássico; ele o reescreve, colocando os holofotes em heróis que, por muito tempo, foram deixados à sombra.

Filme: Vingança & Castigo
Diretor: Jeymes Samuel
Ano: 2021
Gênero: Drama/Western
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★