Para os personagens de “Hereditário”, as dores humanas reverberam como os sinos de uma catedral perdida em um deserto implacável, ecoando condenações eternas das quais poucos conseguem escapar. Ari Aster constrói seu filme como um caldeirão onde despeja ressentimentos ancestrais e tormentos familiares, cozinhando-os lentamente até extrair uma trama amarga e visceral. Antes de mergulhar na desintegração final, o diretor se dedica a um jogo tortuoso entre três gerações, tecendo uma narrativa que transcende o tempo de projeção e permanece dolorosa muito depois dos créditos. Com um ritmo alternando entre a agilidade e a introspecção, a obra nunca perde a cadência, mantendo o público em constante inquietação.
Aster domina a arte de capturar o olhar e subverter o suspense até que ele se converta em um terror físico e psicológico. Ele desafia não apenas os nervos, mas a própria resistência dos espectadores, superando as expectativas daqueles que se deixam enredar pela tela. Mesmo os céticos, que resistem até o limite, acabam ofuscados por silêncios perturbadores.
Embora o enredo original seja uma criação de Aster, a sensação é de estarmos diante de um conto perdido de Edgar Allan Poe ou do horror cósmico de H.P. Lovecraft. Há uma ênfase constante no imponderável, no inatingível pela razão. Já no prólogo, com um resumo lacônico sobre um fundo negro, Aster sintetiza a inevitável tragédia da existência humana. Sob uma análise superficial, “Hereditário” poderia ser confundido com uma manchete de jornal — um relato de horror familiar rapidamente abafado pelo cotidiano, mas suas camadas são muito mais profundas e inquietantes.
O diretor, com maestria cruel, insinua suas intenções no primeiro ato, desmontando as aparências e expondo a podridão oculta sob a fachada dos Graham. A morte da matriarca desata o fio de uma narrativa sufocante, em que cada membro da família carrega a marca do infortúnio. Annie, vivida por Toni Collette, é uma mãe exausta e à beira do desespero, tentando em vão convencer-se de que ainda há felicidade em seu casamento com Steve, interpretado por Gabriel Byrne. A relação com os filhos — o angustiado Peter (Alex Wolff) e a enigmática Charlie (Milly Shapiro) — está envenenada por feridas invisíveis e irreparáveis.
Ao avançar para o terceiro ato, Aster tira o véu das pretensões familiares idealizadas. A grandiosidade do filme, até então latente, revela-se sem disfarces. A rotina conjugal, tantas vezes romantizada, transforma-se em um campo de batalha, especialmente após a chegada dos filhos. A atuação contida e hipnotizante de Alex Wolff no desfecho, encarnando um aspecto sombrio e demoníaco como Paimon, é o ápice de uma jornada marcada por loucura e tragédia. Mas a verdadeira fonte do horror não reside apenas no sobrenatural — está, sobretudo, nas fissuras dos vínculos humanos, corroídos por segredos, culpa e desespero.
★★★★★★★★★★