Na primeira cena de “Simón de la Montaña”, o protagonista balança a cabeça como num esforço para habituar-se aos vários solavancos do mundo que o cerca. Movimento é uma das ideias-chave do filme do argentino Federico Luis Tachella, hábil ao dispor sua história em vinhetas curtas levadas por atores não-profissionais, adolescentes com limitações cognitivas que põem abaixo muitos dos arraigados preconceitos acerca do que podem essas pessoas. O drama intimista de Tachella, outra das gratas surpresas da indústria cinematográfica da Argentina, venceu o Grande Prêmio na Semana da Crítica de Cannes, e parece querer desbravar um terreno ainda virgem na produção audiovisual independente destacando performances espontâneas, despretensiosas, que ou conquistam o público de cara ou não o ganham nunca. Quase sempre a primeira hipótese acaba prevalecendo.
Simón integra um grupo de jovens com deficiência excursionando por paisagens agrestes do interior da Argentina, e aquele ambiente logo torna-se um novo personagem a irmaná-los ainda mais em suas semelhanças, sem que ninguém deixe de enxergá-los também como indivíduos, cada qual dotado de vontades às vezes utópicas. O ônibus é o lugar onde eles ficam mais parecidos, talvez por serem forçados a dividir o mesmo espaço por horas, e o diretor e os corroteiristas Tomas Murphy e Agustín Toscano aproveitam-se de um ou outro respiro para mencionar eventos paralelos que crescem na trama, como a aproximação clandestina entre Pehuén, o melhor amigo de Simón, e Lucy, uma colega de classe, unidos numa montagem de “Romeu e Julieta”, mas separados quando Simón e Pehuén são chamados à sala do diretor. Esse imprevisto abre novas e decisivas oportunidades dramatúrgicas para o filme.
Tachella guarda as maiores revelações de seu longa até a iminência do desfecho. O fato de Simón não ter uma matrícula formal puxa a grande discussão por trás da válida alegoria sobre a autonomia de pessoas com deficiência. Simón não se envergonha de suas imperfeições, enquanto a mãe interpretada por Laura Névole jamais admite que seu filho não é como ela gostaria. Lorenzo Ferro, o único ator não-deficiente do núcleo jovem, equilibra-se entre inspirar em quem assiste a dúvida acerca do real estado do personagem-título, concentrando-se nas interações com Pehuén Pedre e Kiara Supini, na pele de Colo, uma patinadora que empresta à narrativa charme ambivalente, ora pueril, ora matador, usando chapéu de coelho num fliperama. A atenta fotografia de Marcos Hastrup mira o rosto dos atores de modo a realçar a sexualidade em flor de Simón e companhia, gente muito normal.
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