O Natal desperta sentimentos os mais contraditórios. Se por um lado pensamos estar atentos às tradições, por outro, novas urgências cintilam-nos aos olhos, a nos lembrar que costumes podem não ser mentores confiáveis quando pairam dúvidas sobre os assuntos do coração. Nessa época do ano, afloram as mais numerosas vertentes de histórias contando de relações que soçobram ou que ganham nova vida, e, principalmente, de casos de amor que caem do azul, movidos, claro, por interesses que extrapolam a razão. Não é porque as ruas estão decoradas, há luzes coloridas por toda parte e Bons Velhinhos, com suas roupas vermelhas e hirsutas barbas brancas, fazem disparar a lotação dos shoppings que a tristeza desaparece como por encanto da face da Terra. De qualquer forma, o conto de Natal sobre morte e o poder curativo do amor por trás de “Irmã de Neve” não deixa de ser um filme todo ancorado na poesia.
Amores resistem a profundas diferenças culturais, que carregamos conosco aonde quer que possamos ir? Nas comédias românticas elas continuam a pesar, claro, mas só até determinado ponto, especialmente se for Natal, esse tempinho mágico em que almas de ferro dobram-se à força do que não se vê, não se deixa tocar, mas se sente, a cada novo primeiro raio de sol até a manhã mais feliz do ano — que também pode ser de branca neve cobrindo os telhados de meio mundo. Os sonhos parecem aflorar todos ao mesmo tempo num determinado período do ano, entre a derradeira semana de novembro e a que inaugura janeiro. Nesse intervalo, maturamos os desejos que de fato têm valor, refletimos sobre tudo quanto quisemos alcançar, passou por entre nossos dedos e se foi para nunca mais, nos lamentamos por esses fracassos, mas redobramos a atenção para os sucessos que, teimosos, ainda pairam no horizonte, só esperando que tomemos posse do que a vida nos está destinando.
A adaptação da norueguesa Cecilie A. Mosli para o best-seller homônimo da norueguesa Maja Lunde, com as soberbas ilustrações de Lisa Aisato, de 2018, deixa que fiquemos nauseados com o gosto acre de um Natal infeliz para depois atrair-nos com o enredo de um garoto chamado (como não poderia ser de outro modo) Noel e seu lento e doloroso amadurecimento após a morte da irmã, Juni, na iminência do outrora mais doce período do ano e de seu aniversário de onze anos. O roteiro de Siv Rajendram Eliassen fixa-se na amizade de Noel e Hedwig Hansen, uma espécie de entidade cujo caráter sobrenatural é explicado no desfecho. As performances de Mudit Gupta e Celina Meyer Hovland garantem a magia deste trabalho primoroso até o fim, quando só então nos damos conta de que o Natal é todo dia, dentro de nós.
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