Histórias de mistério que confinam personagens em ambientes limitados, forçando-os a interagir até que um crime seja resolvido, já fazem parte do repertório narrativo há tempos. Um dos exemplos mais icônicos no cinema é o filme “Festim Diabólico” (1948), dirigido por Alfred Hitchcock. Nessa obra, o diretor utiliza elementos simples, como uma corda e uma mesa, para amplificar a tensão e manter o espectador constantemente à beira de um desfecho, enquanto brinca com as expectativas e normas da época sobre o que deveria ser mostrado ou sugerido nas cenas.
Em uma abordagem contemporânea, “Amor em Águas Turvas” busca seguir essa tradição, mas com nuances próprias. Dirigido pelo japonês Yûsuke Taki, o filme mantém o mistério sobre um homicídio, ao mesmo tempo em que explora a complexa relação entre um homem e uma mulher, vindos de realidades completamente distintas. O roteiro, escrito por Yûji Sakamoto, equilibra de forma peculiar a tensão e a leveza, questionando a verossimilhança de um romance improvável enquanto mantém o público intrigado com a identidade do assassino, num jogo psicológico que remete à maestria de Hitchcock.
Uma narração inicial evoca o mito das sereias, criaturas tanto sedutoras quanto mortais, enquanto gravuras renascentistas ilustram a fala do narrador. Essas figuras míticas, segundo a lenda, arrastavam marinheiros desavisados para a morte com seu canto hipnótico. A trama, então, transporta o público para o restaurante de um luxuoso cruzeiro, onde dois passageiros asiáticos discutem, de forma descontraída, a impolidez do capitão anterior e fazem observações curiosas sobre a sereia no logotipo da Starbucks. Entre pequenas queixas e diálogos triviais, o cenário paradisíaco do cruzeiro, que navega do Japão ao Mar Egeu, serve como pano de fundo para a iminente revelação de um mistério.
Enquanto isso, Suguru, o diligente mordomo do navio, cruza com Chizuru, uma mulher que desfruta suas férias sem grande entusiasmo. Embora ambos sejam fundamentais para a trama, seus momentos em tela são breves, em parte devido à pressa do diretor em trazer à tona o assassinato que ocorreu a bordo. Os protagonistas, interpretados por Ryo Yoshizawa e Aoi Miyazaki, desempenham um papel crucial no desenvolvimento do romance e do mistério, mas a verdadeira conexão entre eles é ofuscada pela urgência da narrativa em resolver o crime.
A nova capitã do navio, Hatsumi, interpretada por Yō Yoshida, revela-se tão pouco afável quanto o capitão anterior, e é sua impassibilidade que a conduz em busca da verdade por trás da morte do milionário Sohei Kuruma, vivido por Hatsunori Hasegawa. Sakamoto entrega uma revelação sofisticada sobre o verdadeiro assassino, mas o público, a essa altura, está mais interessado em saber se Suguru e Chizuru encontrarão um final feliz, uma resposta mais simples e palpável do que o mistério central.
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