O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um humanista à sua maneira, mas sua abordagem das grandes questões humanas é marcada por uma franqueza cortante e uma falta de complacência. Para Nietzsche, a humanidade é composta por seres racionais que frequentemente se perdem em meio às escolhas e aos caminhos que trilham. Ele via os seres humanos como uma massa indefinida e imprevisível, movendo-se pelo mundo sem clareza de propósito, frequentemente seguindo figuras que se autoproclamam líderes ou que são legitimadas pela maioria. Essas figuras acabam recebendo não apenas a confiança coletiva, mas também o destino e a devoção de seus seguidores.
Para Nietzsche, o progresso da sociedade depende da superação do pensamento de rebanho, libertando-se das armadilhas intelectuais que limitam o indivíduo à mentalidade coletiva. No entanto, ele também reconhecia a propensão humana para a autossabotagem e a destruição daquilo que é mais valioso. Em meio a essa complexidade, alguns indivíduos possuem uma energia avassaladora, capaz de dominar grupos inteiros por meio de uma força quase sobrenatural. Essa influência, identificada por Nietzsche como carisma — um conceito mais tarde desenvolvido por Max Weber (1864-1920) —, é empregada não apenas para liderar, mas também para manipular e exaurir as energias alheias, frequentemente direcionando-as para fins destrutivos.
Embora Nietzsche não tenha abordado diretamente a ideia de carisma, seu conceito de super-homem encontra ressonância nessa mesma linha de pensamento. O super-homem, em sua visão, representa um ideal de transcendência humana, uma capacidade de se confrontar e superar desafios que parecem intransponíveis. Essa superação, no entanto, não é voltada para a elevação da sociedade como um todo, mas para um estado individual de excelência, onde o ser se diferencia dos demais por sua singularidade. Ao superar não apenas suas próprias limitações, mas também as adversidades do mundo, esse ser atesta uma natureza distinta, impossível de ser replicada ou compartilhada com a coletividade. A apropriação desse conceito pelo nazismo, distorcendo sua essência, exemplifica como ideias complexas podem ser reinterpretadas de formas perigosas e opostas às intenções originais.
Luis Estrada, em “El Infierno”, constrói uma narrativa amarga que reflete sua profunda descrença na condição humana. Assim como em “Um Mundo Maravilhoso” (2006), Estrada continua a explorar, com sarcasmo e ironia, as relações humanas e os sistemas de poder. O filme retrata um México afundado em uma crise moral e econômica, onde a pobreza, a violência e a corrupção se entrelaçam em um ciclo aparentemente interminável. Em meio a essa realidade, a política fracassada de combate ao narcotráfico e o domínio do crime organizado apenas aprofundam o abismo social, expondo um país em busca de identidade, mas incapaz de se adaptar às exigências e contradições do século XXI.
O roteiro, escrito por Estrada e Jaime Sampietro, é permeado por um humor ácido e um cinismo brutal. A narrativa flui com precisão, embora alguns desvios menores nas subtramas possam prejudicar momentaneamente o entendimento da mensagem central. O protagonista, Benjamin García — ou Benny —, interpretado com maestria por Damián Alcázar, retorna ao México após 20 anos nos Estados Unidos, apenas para encontrar um país em ruínas. Sua performance evoca o desalento dos personagens de Chaplin, tanto pela semelhança física quanto pela melancolia presente na sua jornada. Benny, como um palhaço triste, se debate entre o desejo de recomeçar e a dura realidade que o cerca, enquanto tenta provar para sua mãe, vivida por Angelina Peláez, que ainda pode conquistar um futuro melhor. No entanto, suas tentativas de recomeço apenas o arrastam para o mesmo vórtice de violência que consome todos ao seu redor.
Benny também estabelece uma relação intensa e proibida com sua cunhada, interpretada por Elizabeth Cervantes, por quem se apaixona. Entretanto, essa paixão é assombrada pela memória constante do irmão morto, vítima de um assassinato brutal que a polícia, corrupta e incompetente, não consegue esclarecer. Em meio a essa espiral de decadência, Benny acaba envolvendo seu sobrinho, vivido por Kristyan Ferrer, no mundo do crime — o único caminho aparentemente viável na comunidade em que vivem.
As críticas que o filme recebeu por suas cenas explícitas de sexo e nudez revelam menos sobre o conteúdo em si e mais sobre a hipocrisia das sociedades que preferem ignorar as questões reais que ele aborda. Enquanto muitos se incomodam com as imagens provocativas na tela, poucos se mostram preocupados com a realidade de um México sufocado por suas próprias contradições, alimentadas por lideranças populistas e soluções simplistas para problemas complexos. “El Infierno” é uma obra que expõe essa dura verdade, com uma narrativa pungente e provocadora, onde cada cena parece temperada com uma dose extra de pimenta, intensificando o impacto sobre o espectador.
Filme: El Infierno
Direção: Luis Estrada
Ano: 2010
Gêneros: Drama/Policial
Nota: 9/10