Minutos antes do desfecho em “Destinos à Deriva”, a protagonista Mia (interpretada por Anna Castillo) dirige-se à sua bebê com a seguinte afirmação: “Ninguém vai acreditar quando contarmos o que vivemos, mas nós saberemos”. Naquele ponto do filme, o futuro dela e da pequena Noa permanece envolto em incertezas. Perdidas em pleno oceano, o risco é constante, e o destino das duas pode mudar a qualquer instante. Dirigido por Albert Pintó, com roteiro de Indiana Lista, Ernest Riera e Seanne Winslow, esse filme se destaca em um ano marcado por narrativas intensas, sendo especialmente ressonante diante da crescente onda de notícias sobre refugiados que fogem de regimes opressores, apenas para serem tragicamente abandonados à própria sorte no mar.
Mia, grávida e fugindo com o marido Nico (Tamar Novas), embarca em uma jornada incerta para escapar de um regime totalitário em um país não nomeado e numa era indefinida. Após uma viagem tensa e perigosa, o casal acaba separado à força. Nico é levado para outro contêiner, enquanto Mia se vê como a única sobrevivente de sua unidade, após a descoberta pelos soldados de que o grupo transportava clandestinamente mulheres e crianças. Desde o início, a personagem revela um instinto aguçado para a sobrevivência. Diferente das demais, Mia se esconde a tempo de evitar os tiros que tiram a vida de suas companheiras de fuga.
Rapidamente, o contêiner onde Mia está é jogado à deriva no oceano, com furos de bala que lentamente o fazem afundar. Com poucos recursos à sua disposição, ela se vê lutando desesperadamente para se manter viva até que seu marido consiga salvá-la. Eles chegam a trocar algumas poucas mensagens por celular, mas as tentativas de comunicação logo se desfazem: o sinal é perdido e o aparelho logo se torna inutilizável, complicando ainda mais a situação.
A jornada, que já se iniciara sob o signo do caos, se agrava drasticamente. Sozinha no contêiner danificado e enfrentando uma tempestade em alto-mar, Mia entra em trabalho de parto. Ela nomeia a filha de Noa, uma homenagem à avó, mas o nome carrega ainda outra referência: Noé, que sobrevive ao dilúvio bíblico. Essa escolha também faz alusão à personagem Wilson, a bola de vôlei que se torna companheira de Chuck Noland (Tom Hanks) durante sua solidão em “Náufrago”. Noa surge, então, não apenas como uma companheira, mas como a razão pela qual Mia se agarra à vida com ainda mais força.
Com a chegada da filha, Mia encontra um novo impulso. Agora, a sobrevivência não é mais apenas uma questão pessoal: ela precisa proteger e cuidar de Noa. Usando os poucos recursos disponíveis e sua capacidade de improviso, Mia nos leva a refletir sobre nossa própria resiliência. Diante de uma situação semelhante, seríamos capazes de lutar com a mesma intensidade ou cederíamos à fatalidade? Qual seria o limite de nossa determinação e até onde estaríamos dispostos a ir?
Anna Castillo entrega uma interpretação vigorosa, carregando o peso emocional do filme. Sua atuação é crua, deliberada, e ela leva a personagem ao extremo, construindo uma narrativa convincente, apesar de alguns elementos do roteiro parecerem exagerados ou fora de contexto. “Destinos à Deriva” alterna entre uma sensação sufocante de claustrofobia e o medo avassalador da vastidão do oceano. Em alguns momentos, Mia está presa, cercada por um espaço exíguo, prestes a ser esmagada pelas profundezas do mar. Em outros, ela e Noa se encontram à deriva em uma imensidão de águas desconhecidas, expostas aos perigos ocultos e criaturas ameaçadoras do oceano.
A trama, marcada pelo contraste entre o confinamento opressivo e a vastidão desconhecida, reflete a intensidade emocional de uma luta pela vida que nunca cessa.
Filme: Destinos à Deriva
Direção: Albert Pintó
Ano: 2023
Gênero: Drama/Suspense
Nota: 8/10