Eddie Murphy aparenta cansaço no pôster de divulgação de “Um Tira da Pesada 4: Axel Foley”, mas isso não poderia estar mais distante da realidade. Quarenta anos após a estreia do primeiro filme da série, Murphy continua a superar os inúmeros desafios que surgem em uma franquia tão longa. Participar desta nova aventura é como voltar a um lugar encantado, similar ao Wonder World, o parque temático fictício inspirado na Disneylândia, que foi cenário de boa parte do terceiro filme da franquia.
Após uma década e meia de constantes ajustes, o diretor Mark Molloy finalmente coloca as mãos em um roteiro redondo, escrito por Danilo Bach, Will Beall e Daniel Petrie Jr. A trama flui sem arestas desnecessárias, e o carisma inegável de Murphy continua sendo o pilar que sustenta a história, por mais batido que o enredo possa parecer. O magnetismo de Murphy é suficiente para prender a atenção de um público de todas as idades, de crianças a idosos, mantendo-os vidrados na tela.
O título deixa claro que Molloy e seus roteiristas quiseram destacar ainda mais o protagonista, como se isso não fosse evidente desde o lançamento do primeiro filme em 1984, dirigido por Martin Brest. A grande diferença agora é que, nesta produção da Netflix, que adquiriu os direitos da Paramount, vemos um Murphy mais maduro.
Seu personagem, Axel Foley, está mais reflexivo, especialmente em relação ao relacionamento conturbado com sua filha Jane Saunders, interpretada por Taylour Paige. Jane é uma advogada com quem Foley se alia para desmantelar uma organização criminosa que corrói o Departamento de Polícia de Los Angeles por dentro.
Foley, apesar de relutante, acaba aceitando a ajuda de Bobby Abbott, um jovem detetive interpretado por Joseph Gordon-Levitt. Juntos, os três protagonizam um espetáculo quase impecável, ainda que ocasionalmente exagerado, um defeito comum em histórias desse tipo.
Detroit, a maior cidade de Michigan, não parece mais tão caótica quanto na abertura do filme de 1984, embora Molloy nos faça pensar que sim. A cidade ainda abriga malandros de todos os tipos, moradores de rua, pequenos traficantes, prostitutas adolescentes, e também donas de casa idosas e guardas de trânsito simpáticos, todos figuras familiares no mundo de Foley.
Molloy revisita as imagens icônicas utilizadas por Brest no filme original, mas com uma abordagem que contextualiza melhor o espectador no conflito que justifica essa nova etapa da saga de “Um Tira da Pesada”. Axel Foley não perde o fôlego e, mais uma vez, se mete em confusão ao investigar um assalto durante um jogo de hóquei.
Após a confusão, ele deixa o estádio com seu parceiro Mike Woody, interpretado por Kyle S. More, fazendo comentários politicamente incorretos sobre a participação de negros no esporte, preservando o espírito anárquico dos anos 1980. As cenas de perseguição à moda antiga, sem o uso de CGI, reforçam a ideia de que “Axel Foley” não busca apenas aumentar os 730 milhões de dólares arrecadados pelos três filmes anteriores. Resultado: o veterano deixa sua jurisdição em Detroit e segue para as colinas glamorosas de Beverly Hills, mais uma vez.
Esse é o ponto de partida que Molloy usa para conduzir a narrativa para um lado mais revigorante, embora não necessariamente mais simples. Na Costa Oeste, Jane defende pro bono um prisioneiro condenado à morte por ter assassinado um policial corrupto, como será revelado, o que se torna mais uma fonte de atrito constante entre ela e seu pai.
Murphy e Paige surpreendem ao explorar essa improvável camada de dramaticidade dentro de uma montanha de comédia física e humor despretensioso que caracteriza “Axel Foley”. Da mesma forma, Gordon-Levitt impressiona ao interpretar a paixão reprimida que Jane tenta sufocar, não porque ele a tenha decepcionado, mas pela razão convincente de que Abbott, assim como Foley, é um policial devotado, durão e compulsivo em sua carreira.
Sua nova obsessão é prender o capitão Cade Grant, interpretado por Kevin Bacon, o antagonista perfeito de Foley. Grant não tem escrúpulos em frequentar a alta sociedade, vestindo ternos impecáveis, sapatos Gucci e exibindo um Rolex de dez mil dólares. E todos sabemos muito bem como ele conseguiu esses itens.
A princípio, pode-se pensar que “Um Tira da Pesada 4: Axel Foley”, na Netflix, é apenas uma versão mais sofisticada de “Bad Boys 4” (2024), a comédia policial dirigida pelos marroquinos-belgas Adil El Arbi e Bilall Fallah. No entanto, o filme de Molloy supera essa comparação. Desde os primeiros acordes de saxofone de “The Heat Is On” (1984), a empolgante faixa de folk rock composta por Glenn Frey (1948-2016) que acompanhava as aventuras e trapalhadas do personagem de Eddie Murphy, somos transportados para uma viagem nostálgica.
Essa sequência raramente vista é superior ao filme original, revivendo a magia de um tempo em que garotos deixavam de lado Dostoiévski, Machado e Bandeira para rir e admirar o carismático protagonista da Sessão da Tarde, com seu inconfundível bigodinho e espírito boa-praça.
Filme: Um Tira da Pesada 4: Axel Foley
Direção: Mark Molloy
Ano: 2024
Gêneros: Comédia/Ação
Nota: 9/10