Há múltiplas formas de se compreender e viver a lealdade, um sentimento que, em certas culturas, representa a expressão máxima de compromisso e honra. Na tradição oriental, especialmente no Japão feudal, a lealdade era a pedra angular das relações entre senhores e seus subordinados. Os senhores não apenas detinham poder, mas também carregavam o peso de proteger e guiar seus vassalos, enquanto estes dedicavam sua vida, trabalho e até sua existência ao serviço e à proteção de seus superiores.
Essa simbiose, que frequentemente parecia eternizada pela passagem do tempo, é central para o enredo de “47 Ronins”, uma obra que mergulha nos mistérios do Japão feudal. O filme retrata uma época em que a história e o destino de uma nação se entrelaçavam em um complexo jogo de poder, honra e sobrevivência, aspectos que ajudaram a moldar o Japão moderno como uma das nações mais avançadas do mundo. Carl Rinsch, ao explorar um enredo já familiar ao público, desafia a compreensão convencional de temas muitas vezes ignorados, transformando-os em uma reflexão sobre valores que transcendem eras.
O feudalismo japonês, um sistema que persistiu por séculos, foi caracterizado por uma estrutura de poder que concentrava riquezas e terras nas mãos de poucos clãs dominantes. Esse regime, que perdurou de 1185 a 1868, garantiu uma estabilidade social através de um contrato implícito entre senhores e vassalos, onde ambos cumpriam seus papéis sem a interferência de conflitos ideológicos ou revoltas populares. O roteiro de Chris Morgan, Hossein Amini e Walter Hamada aborda a transformação de samurais em ronins, um processo que ocorria quando um samurai falhava em proteger seu daimyo, resultando em uma desonra tão profunda que o levava, muitas vezes, ao seppuku, um suicídio ritual que visava restaurar a honra perdida. Essa prática, conhecida no Ocidente como haraquiri, reabilitava o guerreiro como um verdadeiro samurai, digno de acompanhar seu senhor no além.
Keanu Reeves encarna Kai, um guerreiro mestiço que, ao longo das quase duas horas de “47 Ronins”, mantém uma postura digna e coerente com a complexidade de seu papel. A cinematografia de John Mathieson, especialmente nas cenas ao ar livre, contribui para a imersão no universo feudal japonês. O desprezo com que Kai é tratado por sua ascendência mista remete à narrativa de “Corações Sujos” (2011), do diretor brasileiro Vicente Amorim, que aborda o conflito de identidade de japoneses no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial. Assim como o Japão precisou confrontar sua derrota na guerra, o filme “47 Ronins” explora o inexorável enfrentamento de seus personagens com suas próprias falhas e desonras, em uma história que ecoa através do tempo.
Filme: 47 Ronins
Direção: Carl Rinsch
Ano: 2013
Gêneros: Ação/Fantasia
Nota: 8/10