Ganhador de três Oscars, o filme mais brutal e perturbador da história do cinema está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Ganhador de três Oscars, o filme mais brutal e perturbador da história do cinema está na Netflix

Apesar da força narrativa, o apelo de um filme para atrair espectadores ao cinema — ou mantê-los cativados diante da televisão por mais de duas horas — também reside em detalhes técnicos sutis, muitas vezes perceptíveis apenas por olhos experientes, que acabam fazendo toda a diferença.

Em “1917”, Sam Mendes desafia alguns clichês comuns dos filmes de guerra, afastando-se das abundantes pirotecnias tecnológicas que tantos diretores apreciam. O roteiro, coescrito por Mendes e Krysty Wilson-Cairns, foca em um episódio controverso da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Baseado nas histórias contadas por seu avô, Mendes constrói uma odisseia sólida e convincente, ancorada na realidade que a inspirou. Alfred Hubert Mendes (1897-1991), natural de Trinidad e Tobago e descendente de portugueses presbiterianos da Madeira, foi um escritor de destaque no Caribe do século 20.

 Sua produção literária, embora breve, foi brilhante. Enviado a uma das inúmeras frentes de batalha entre Inglaterra e França pouco depois de completar vinte anos, em 1917, ele vivenciou de perto os horrores da guerra. A partir dessas memórias, Sam Mendes elabora sua narrativa sofisticada, introduzindo os cabos Blake, interpretado por Dean-Charles Chapman, e Schofield, vivido por George MacKay. Após um breve descanso, os soldados são informados sobre uma missão tanto honrosa quanto absurda.

Em um exemplo da insensatez que permeia a guerra, o diretor revela a tarefa designada a Blake e Schofield. Em outro posto de combate, não muito distante, uma tropa britânica, onde o irmão de Blake serve, planejara uma ofensiva iminente contra os alemães. No entanto, os planos mudaram. A inteligência militar concluiu que a ofensiva era uma armadilha alemã, potencialmente catastrófica para os britânicos. Com as linhas de rádio fora de operação, cabe aos personagens de Chapman e MacKay atravessar o terreno perigoso a pé, evitando os radares inimigos, para avisar que o ataque foi abortado. Mas para isso, eles precisam primeiro chegar vivos ao destino.

Seguindo a tendência de filmes como “O Resgate do Soldado Ryan” (1998) de Steven Spielberg e “Apocalypse Now” (1979) de Francis Ford Coppola, “1917” retrata com impressionante realismo a brutalidade dos combates entre pelotões armados, destacando que o resultado desse banho de sangue raramente é refletido nos livros de história ou documentários que investigam a complexa relação entre poder, política e forças armadas.

Com a saturação de filmes sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), como “O Resgate do Soldado Ryan”, “Bastardos Inglórios” (2009) de Quentin Tarantino, e “Dunkirk” (2017) de Christopher Nolan, a escolha de Mendes em explorar uma história da Primeira Guerra Mundial, inspirada pelas memórias de seu avô, foi uma jogada inteligente. Embora tenha enfrentado críticas de ser “hermético”, “desrespeitoso” e “leviano”, o filme persegue com determinação a intenção de capturar o máximo de imagens em tomadas contínuas, atingindo um nível artístico elevado.

Ele se alinha a produções como “O Regresso” (2015) de Alejandro González Iñárritu e “Pieces of a Woman” (2020) de Kornél Mundruczó, bem como aos clássicos “Festim Diabólico” (1948) de Alfred Hitchcock e “A Marca da Maldade” (1958) de Orson Welles.

A fotografia premiada de Roger Deakins, colaborador frequente de Denis Villeneuve e dos irmãos Coen, adiciona profundidade à versão de Mendes de um evento histórico pouco conhecido, conferindo ao filme um caráter épico de guerra. A narrativa destaca a heroica jornada de dois pacifistas deslocados em um cenário de guerra, refletindo temas presentes em “Até o Último Homem” (2016) de Mel Gibson, que também explora as zonas sombrias da alma humana.

Com um elenco de peso, incluindo Colin Firth, Mark Strong, Benedict Cumberbatch e Andrew Scott, “1917” se beneficia da precisão dos movimentos e da interpretação dos atores, aspectos fundamentais para a narrativa. Sam Mendes, um dos cineastas mais influentes de sua geração, superou expectativas com “1917”, entregando um filme que transcende a imaginação.


Filme: 1917
Direção: Sam Mendes
Ano: 2019
Gêneros: Guerra/Drama
Nota: 9/10