Romance encantador na Netflix vai derreter seu coração como sorvete no verão Divulgação / Netflix

Romance encantador na Netflix vai derreter seu coração como sorvete no verão

Ninguém desafiava a autoridade paterna no Reino Unido do início do século XIX, independentemente das sombrias consequências dessa submissão ilimitada. Jane Austen (1775-1817) foi uma das escritoras que mais profundamente explorou esse aspecto sombrio da sociedade da sua época. Seu trabalho gerou uma narrativa vasta e complexa, dividida em três volumes.

Em “Razão e Sensibilidade” (1811), Austen inicia uma saga que discute o amor em contraste com as necessidades básicas da vida; “Orgulho e Preconceito” (1813) segue essa mesma linha, examinando a honra de uma família outrora influente, mas agora em dificuldades financeiras, cuja única esperança de reverter seu destino reside no casamento arranjado da filha mais velha com um homem rico, que aparentemente a deseja, mas é incapaz de se opor à sua mãe superprotetora.

O último volume, “Persuasão” (1816), encerra a trilogia e marca o fim da carreira literária de Austen, que faleceu em 18 de julho de 1817, aos 42 anos, vítima do mal de Addison, uma doença autoimune pouco compreendida na época. Sua obra inacabada, “Sanditon”, confirma sua preferência por dissecar as minúcias da burguesia da velha Inglaterra, algo que fez com maestria incomparável.

Adaptado para o cinema pela primeira vez há quase três décadas, “Persuasão” ganhou nova vida em 2022 sob a direção de Carrie Cracknell, que tem um histórico no teatro e agora demonstra grande habilidade também no cinema. A interseção entre seu trabalho teatral e o novo meio é evidente, especialmente na escolha de fazer a protagonista falar diretamente à câmera, um recurso comum no teatro.  

Esta quebra da quarta parede aproxima o público dos atores, e Cracknell utiliza essa técnica com habilidade, mesclando essas interações diretas com longas passagens do texto elaborado de Austen, adaptado pela estreante Alice Victoria Winslow e pelo veterano Ron Bass. Mesmo quando comparada à excelente versão de Roger Michell (1956-2021) de 1995, a nova adaptação se destaca, com Cracknell tratando “Persuasão” como um exemplo de modernidade, cujo ousadia e originalidade não são meros ornamentos.

Dakota Johnson assume o papel de Anne Elliot, quase transportando-a do início do século XIX para a contemporaneidade. A força da personagem e da própria produção reside, em grande parte, em seu apelo estético. Os figurinos de Marianne Agertoft, especialmente aqueles usados por Johnson, funcionam como uma declaração de intenções para o arquétipo de uma mulher à frente de seu tempo, podendo ser facilmente adaptados para a moda atual.

Esse frescor na abordagem de “Persuasão” sob a visão inventiva de Cracknell, sustentada pela atuação confiante de Johnson, justifica a nova adaptação, sem comprometer a essência da trama original. A narrativa ainda centra-se na mulher madura (para os padrões de 1816) que, apesar de ser torturada pelas decisões do passado, triunfa por seus próprios méritos, mesmo diante da possibilidade de passar o resto de seus dias na solidão de seu quarto, acompanhada apenas por seu coelho de estimação. Até que o homem que ela rejeitou e por quem ainda nutre sentimentos ressurge em sua vida.

O capitão Frederick Wentworth é a personificação dos fracassos existenciais de Anne em sua esfera mais íntima, e Cracknell habilmente evita cair nas armadilhas do politicamente correto ou do feminismo vulgar, mantendo a protagonista como uma mulher forte externamente, mas disposta a qualquer humilhação para recuperar o amor de Wentworth, que ela agora não apenas ama, mas venera.

Cosmo Jarvis compreende a grandiosidade do papel e faz de Wentworth um homem rude, moldado pelas adversidades do mar, mas intrinsecamente nobre, sem recorrer a joguinhos de sedução ou vinganças tolas. A presença do ambicioso primo afastado, William Elliot, interpretado por Henry Golding, sugere uma complexa dinâmica de relacionamentos.

“Persuasão”, o livro, mais uma vez encontra um refúgio seguro nas mãos de Carrie Cracknell. Surpreendentemente despretensioso para uma produção desse calibre, o filme é divertido sem ser superficial, sofisticado sem ser pedante, e extremamente persuasivo em seu apelo.


Filme: Persuasão  
Direção: Carrie Cracknell
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 9/10