Suspense com Sandra Bullock, na Netflix, vai te deixar confuso, zonzo e desnorteado Divulgação / TriStar Pictures

Suspense com Sandra Bullock, na Netflix, vai te deixar confuso, zonzo e desnorteado

Pode parecer óbvio, mas o amor tem sua parcela de loucura, conforme sugeriu o poeta Fernando Pessoa. A situação se agrava quando, em um impulso típico dos apaixonados, um casal decide anunciar sua união ao mundo, declarando abertamente sua felicidade. A partir desse momento, começam a surgir problemas de diversas naturezas — financeiros, de saúde, emocionais, e profissionais — que parecem manejáveis enquanto o sentimento perdurar.

No entanto, a realidade logo mostra que não é tão simples assim, e que a percepção de que duas pessoas, tão diferentes entre si, com suas próprias personalidades, demandas e histórias, não conseguem viver separadas, pode não ser suficiente. Nesse contexto, vale a pena lembrar outra máxima, esta de Vinicius de Moraes, que afirmou em seu “Soneto de Fidelidade” que o amor, sendo chama, não pode ser imortal, mas pode ser infinito enquanto durar.

As dificuldades cotidianas da vida a dois frequentemente resultam em paranoias que podem evoluir para psicopatias de variados graus, muitas vezes não resolvidas pelas agradáveis conversas de travesseiro. Mennan Yapo, com seu filme “Premonições”, lançado há quinze anos, continua a explorar temas contemporâneos, apresentando um casal cuja relação é tudo menos comum, especialmente no que diz respeito à paixão que os une. O diretor dá vida a uma esposa dedicada, ainda apaixonada pelo marido, mas que está à beira do colapso ao se ver em uma situação de negligência e abandono, que a leva a um turbilhão de delírios.

Linda Hanson, a protagonista que deveria ser abençoada com um dom que a tornaria milionária ou pelo menos não a atrapalhasse em sua vida cotidiana, é apresentada pouco antes de alcançar sua maior conquista, que na verdade não é tão sua como aparenta. Em 2007, quando “Premonições” estreou, Sandra Bullock já era conhecida por comédias leves e thrillers, mas ainda não tinha consolidado sua reputação como atriz séria, algo que viria a conseguir em filmes como “Um Sonho Possível” e “Imperdoável”. Neste filme, Bullock começa sua transição, trazendo à personagem Linda uma sensibilidade que Yapo explora intensamente. Linda, casada com Jim, vivido por Julian McMahon, passa a ser vítima de sua própria capacidade de ver o óbvio disfarçado de extraordinário. Uma cena em particular, em que Linda e Jim estão deitados, com pouquíssimas palavras e focada nos olhares intensos dos atores, captura grande parte do conflito que se desenrola.

Yapo conduz a narrativa de forma não linear, evitando revelar os segredos de imediato, o que mantém a audiência em suspense. Ele introduz personagens secundários de forma estratégica para intensificar a tensão. A neurose de Linda contagia o público, que começa a duvidar da sanidade da personagem de Bullock, ao mesmo tempo em que questiona a frieza calculada de Joanne, a mãe de Linda, e o pragmatismo de Annie, a melhor amiga.

Uma cena notável no cemitério, onde o diretor de fotografia Torsten Lipstock destaca os atores e figurantes vestidos de preto sob a luz intensa de um dia de primavera, revela a figura de uma mulher cuja identidade Linda descobre mais tarde. Claire, a quase amante de Jim, interpretada por Amber Valletta, poderia ser o desfecho perfeito para um filme mais simples. No entanto, “Premonições” evita soluções fáceis, subvertendo expectativas e oferecendo uma visão mais complexa e inquietante sobre a natureza do amor e da sanidade.

A direção cuidadosa de Yapo, aliada ao desempenho sincero de Bullock, transforma “Premonições”, na Netflix, em uma reflexão envolvente sobre os desafios e os limites das relações humanas. O filme convida o público a questionar o que é real e o que é imaginário, propondo uma análise profunda dos dilemas enfrentados por aqueles que se encontram presos entre a paixão e a realidade cotidiana.


Filme: Premonições
Direção: Mennan Yapo
Ano: 2007
Gêneros: Thriller/Mistério
Nota: 8/10