Decerto a ideia que define mais perfeitamente o casamento é a sugerida por Machado de Assis (1839-1908), clássica, sobre Deus ter inventado o amor e o diabo, invejoso, ter feito com que o homem o confundisse com cartório, preto no branco, igreja enfeitada, sermão de padre, bolo e champanhe. Qualquer pessoa minimamente honesta e adulta o bastante já se deparou com a incômoda sensação de que mulheres e homens parecem mesmo orbitar universos paralelos.
Segundo Mônica Martelli, o sexo masculino está muito confortável em Marte, o planeta vermelho, das disputas por comando, do desejo que sobrepuja coisinhas miúdas como afeição, ternura, parceria, afinidade, e, por essa razão, ela decidiu que o certo a se fazer era atravessar a troposfera e ir respirar a atmosfera cor de fogo desse corpo celeste nosso vizinho. “Minha Vida em Marte”, a continuação de “Os Homens São de Marte…E É Para Lá que Eu Vou!” (2014), de Marcus Baldini, propõe uma espécie de balanço dos dez anos de casamento de Fernanda, a protagonista interpretada por Martelli, depois das horas boas e nem tanto no papel de esposa e mãe.
Uma das comédias românticas mais queridas pelo público, o filme de Susana Garcia, irmã da atriz, importa para o cinema o espetáculo teatral produzido e estrelado por Martelli, cuja estreia já remonta a quase duas décadas. Para ela, que já havia feito pontas em novelas da Rede Globo de Televisão e só, nada mais seria como depois daquele 14 de abril de 2005, quando apresentou seu texto numa das minúsculas salas do Teatro Cândido Mendes, em Ipanema.
Homens e mulheres casam-se pelos motivos mais variados e incongruentes entre si, havendo ou não espaço para o amor. Em circunstâncias como as colhem a protagonista, a sensação que se tem é que, a certa quadra da vida, a solidão, a tristeza, a carência de tudo torna-se tão insuportável que há que se tentar qualquer medida para debelá-la. Casamentos escondem armadilhas que perturbam a vida de todos quantos se proponham a tomar parte daquele registro estritamente particular da intimidade de duas pessoas.
O roteiro de Garcia, coassinado por Emanuel Aragão e Andrea Batitucci, sabiamente ancora um enredo banal como tantos outros desse jaez no carisma de Martelli, a exemplo do recente “Apaixonada” (2024), de Natalia Warth, com Giovanna Antonelli assumindo a sua própria Fernanda, Bia. Sempre contando com a boa tabelinha que estabelece com Paulo Gustavo (1978-2021), Martelli escancara os bastidores de sua relação com Tom, feita, claro, de prazer e de encantamento, mas em que o amor não está mais na ordem do dia. Marcos Palmeira é persuasivo na demonstração da ambiguidade de Tom, um homem que decerto não está mais tão convicto de que sentimento ainda possa nutrir pela esposa, mas não está disposto a ceder tão fácil.
A afetação de “Minha Vida em Marte” a certa altura, de que o Aníbal de Paulo Gustavo se encarrega, é o grande equívoco de um filme que se pretendia engraçado, sem dúvida, mas também reflexivo. O antecessor comete menos deslizes como esse, e cativa mais.
Filme: Minha Vida em Marte
Direção: Susana Garcia
Ano: 2018
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 7/10