“Mission: Impossible — Dead Reckoning Part One” é um maravilhoso caos. No sétimo longa da franquia, Christopher McQuarrie une o que pode haver de mais inspirador em cenas de perseguição ao humor espontâneo de seus personagens, com a eterna possibilidade de um romance que jamais se consome, no qual os amantes querem-se bem, mas sabem que só atração física e camaradagem nunca serão o bastante para convencê-los a seguirem juntos, uma vez que representam faces opostas de uma só moeda.
A impressão que se tem é que a série, criada por Bruce Geller (1930-1978) e exibida pela CBS entre 1966 e 1973, não há de se contentar com um desfecho só porque seu anti-herói rende-se à biologia, e vai dar um jeito de perdurar depois que Ethan Hunt retirar-se compulsoriamente — já se especula que Glen Powell, vistoso em “Top Gun: Maverick” (2022), estará disposto a encarar o desafio se convocado, o que parece a escolha ideal. E esse não é nenhum fruto da árvore do acaso.
No filme de Joseph Kosinski, Powell e Tom Cruise disputam pela preferência do espectador sem nenhuma cerimônia — com uma clara vantagem para o adversário mais moço, frise-se —, mas quando o estiver livre o trono ocupado pelo veterano há cerca de três décadas, desde o primeiro “Missão Impossível” (1996), a cargo de Brian De Palma, vai levar algum tempo até que consigamos nos habituar à ausência de Cruise. Com razão.
O texto do diretor e do corroteirista Erik Jendresen empurra Hunt para uma jornada de dilemas existenciais de um sessentão irrequieto, em que os primeiríssimos planos atestam o óbvio: ele envelheceu. A poesia ácida de McQuarrie e Jendresen vem a calhar, sobretudo se nos lembramos dos verdes anos do agente mais talentoso e destemido da IMF, a Força Missão Impossível, pela lente de De Palma, o que fornece substrato a elucubrações a respeito do desencanto natural do espião frente ao modo como ganha a vida, um trabalho de Sísifo que nunca se conclui e, pior, torna-se cada vez mais árduo.
Gente como Eugene Kittridge, o diretor da CIA interpretado por Henry Czerny, são a prova viva de que o reino de Hunt não é mais desse mundo, e o cinismo com que se tratam numa das sequências mais perturbadoras dessa sétima parte presta-se a elucidar muita coisa no segundo ato. É nesse encontro que o protagonista sabe, afinal, o que o Departamento de Segurança dos Estados Unidos quer dele, de novo: um dispositivo de inteligência artificial com poder de dar a partida numa suposta bomba de fissão nuclear é acionado por uma chave dividida em duas metades, uma delas prestes a ser vendida no mercado clandestino.
É o suficiente para que Hunt deixe sua equipe de sobreaviso, e aqui o Benji Dunn de Simon Pegg e Luther Stickell, o amável brucutu vivido por Ving Rhames, garantem aquele conforto de que não vamos nos perder pelo caminho, malgrado tipos como Grace, a charmosa punguista encarnada por Hayley Atwell, que cai de paraquedas na história, ou Alanna Mitsopolis, de Vanessa Kirby, com quem Hunt continua a ter uma relação, digamos, ambivalente — até mais do que com Ilsa Faust, a aspiração romântica galvanizada por Rebecca Ferguson, a quem revê na fronteira da Arábia Saudita com o Iêmen.
As quase três horas de “Mission: Impossible — Dead Reckoning Part One” deslizam com Ethan Hunt pelos céus dos quatro cantos do planeta por onde a narrativa vai e quando acaba resta aquele sentimento bom de momentos de prazer visual. Dentro de onze meses, em 23 de maio de 2025, “Mission: Impossible — DeadReckoning Part Two” promete mais um naco (o último com Tom Cruise?) de loucura, paixão e um apocalipse pelo qual, vesanamente, ansiamos.
Filme: Mission: Impossible — DeadReckoning Part One
Direção: Christopher McQuarrie
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 9/10