Filme assistido por 200 milhões nos cinemas e que faturou 9 bilhões de reais está na Netflix Chuck Zlotnick / Universal Pictures

Filme assistido por 200 milhões nos cinemas e que faturou 9 bilhões de reais está na Netflix

Entre todos os grandes diretores de Hollywood, Steven Spielberg talvez seja o que melhor alia o faro para negócios multimilionários à necessidade de contar histórias flagrantemente inusitadas, absurdas até, tudo isso com um generoso lastro de ciência. “Jurassic World — O Mundo dos Dinossauros” observa a mesma tendência que “E.T. O Extraterrestre” (1982) e “A.I. — Inteligência Artificial” (2001) — bem como as aventuras e façanhas do arqueólogo mais invejado do universo, descritas nos quatro “Indiana Jones” e, esticando-se um pouco a corda, “A Guerra dos Mundos” (2005), adaptação do romance homônimo de H. G. Wells (1866– 1946), cujo leitmotiv, inverso ao de “E.T.”, determina que toda criatura que ostente aparência distinta da que constitui o homo sapiens sapiens deve ser destruída (sem deixar de fazer insinuações nem tão oblíquas sobre homens que trucidam seus semelhantes).

Em 1993, Spielberg materializou o primeiro longa de uma franquia que revolucionou a ficção científica, e em 2015, transcorridos mais de vinte anos, é a vez de Colin Trevorrow dar a sua interpretação para os raivosos monstros pantagruélicos que avançam sobre o destino da humanidade, acuados por tornarem à vida num mundo a que não mais pertencem.

Resta pouco das histórias publicadas por Michael Crichton (1942-2008) em “O Mundo dos Dinossauros”, e isso não é ruim. Trevorrow e sua trinca de colaboradores acertam ao preferir uma abertura algo mais vagarosa, mormente em se analisando o torvelinho de subtramas que dominam a história com o fim desse primeiro ato, e as juras de amor eterno meio açucaradas e ingênuas demais de Zach, o adolescente meio taciturno vivido por Nick Robinson, prestam-se a um bom exemplo dos meandros por onde o diretor quer levar seus personagens.

Zach e Gray, o irmão caçula vivido por Ty Simpkins, aterrissam no aeroporto Juan Santamaría, na Costa Rica, e de lá dirigem-se a Nublar, a ilha dos dinossauros, administrada pela tia, Claire. O ambiente tecnológico e selvagem do parque ganham uma camada de leveza pelas mãos de Bryce Dallas Howard, sem que isso tire do espectador a eterna referência ao universo spielberguiano (com as devidas atualizações). Como no primeiro filme, uma grua escorrega pelo nicho de cada espécie, e a trilha de Michael Giacchino se encarrega de trazer de volta as arcaicíssimas lembranças dos garotos de dez ou onze anos que assistiram ao longa de três décadas atrás.

Os dois meninos viajam para que os pais tentem se entender — sim, as crianças continuam a pagar pelas leviandades dos adultos —, e Claire, uma solteirona muito bem casada com seu ofício, os recebe, sem muita festa, ainda que Gray seja o sobrinho que ela pediu a Deus, uma espécie de elo perdido entre o homem e os lagartos gigantes de que se ocupa, tamanho o amor e o conhecimento do garoto pelos bichões. Na verdade, dinossauros agora são carne de vaca, como a própria Claire sabe, e a premência de se renovar o plantel cada vez mais rápido, a fim de manter o interesse de quem se abala até aquele cafundó, é o atalho para a hecatombe de que se quer tratar desde o início.

Aqui, Trevorrow devora Hitchcock e trabalha o suspense e o terror, com bestas de tempos mortos como cicerones da barbárie, soltas por todo canto a assombrar consciências e esmagando homens com suas garras. Haveria de emergir das trevas um salvador, decerto. Owen, capaz de despertar ternura em seus monstrinhos e aquecer o coração da sorumbática personagem de Howard, cai como uma luva para o carisma musculoso de Chris Pratt. De acordo com o zeitgeist vigente, a moça corresponde aos clamores dele sem ter de abdicar da carreira e, quem sabe, até fique com a guarda dos sobrinhos. Mas isso é assunto para um próximo “Jurassic World”.


Filme: Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros
Direção: Colin Trevorrow
Ano: 2015
Gêneros: Thriller/Ficção científica/Aventura/Ação 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.