No Pacífico Norte, flutua um sétimo continente. Uma área de três milhões de quilômetros quadrados, ou aproximadamente seis vezes o tamanho da França, é supervisionada pela Missão Ocean Origins, a força-tarefa do projeto Evolução, que visa a impedir a mortandade de quase um milhão de pássaros e mamíferos marinhos a cada ano, só por terem ingerido matéria inorgânica como o plástico de garrafas, o alumínio de produtos de higiene pessoal e pequenos objetos de metal, que vão se acumulando em seus organismos até o colapso derradeiro. A abertura de “Sob as Águas do Sena” parece uma daquelas fascinantes peças publicitárias acerca da devastadora ação humana sobre o berço das riquezas ambientais, o mar.
O roteiro do diretor Xavier Gens, coassinado por Sebastien Auscher e Yannick Dahan parte dessa imagem genérica para um recorte bastante específico, um cardume de tubarões que foge da poluição do oceano para instalar-se no Sena, o rio que corta a capital francesa — ironicamente, um ponto a favor da realização das provas de modalidades aquáticas em domínios fluviais. A esse propósito, Gens nunca fala de modo objetivo nas Olimpíadas do próximo 26 de julho, mas qualquer um percebe que o assunto se insinua, deixando nas entrelinhas margem para conclusões revoltantes.
Sophiacoordena o grupo de oceanógrafos e biólogos marinhos do Evolução, uma equipe bem-sucedida em suas descobertas. Eles procuram por Lilith, a tubarão-fêmea que monitoram há algum tempo e que reaparece, furiosa, três vezes maior em poucos meses. Nesse mesmo trecho, a carcaça de um bebê cachalote é encontrado morto, preso em detritos, cujo estômago Berruti, um dos cientistas, interpretado por Jean-Marc Bellu, nota estar cheio de plástico. O ataque de Lilith, que arrasta Sophia para o fundo do mar e quase faz seus tímpanos explodirem por causa da pressão, é o pontapé de um extenso debate sobre a responsabilidade dos agentes públicos quanto às agressões do homem às outras espécies.
Numa era de negacionismo a toda prova, a natureza se encarrega de gritar para o homem que não ignore os fatos, encare os problemas, tenham a gravidade que tiverem, e resolva-os. A fera hostilizada em seu próprio hábitat — cada vez mais precarizado pela falta das condições de sobrevivência mais básicas, resultado direto da degradação ambiental, que elimina da cadeia alimentar os seres que lhe serviam de comida —, peixe gigantesco, esfaimado e furioso, vê-se obrigado a migrar para um meio que não é o seu, e só toma-se alguma providência. Em pleno século 21, este filme caótico jamais discorre a respeito de manejo de espécies ou uma outra alternativa, baseada em ciência e razão: não se cogita nenhuma outra solução a não ser dar cabo do invasor.
Bérénice Bejo é uma grande atriz, mas tem tomado rumos duvidosos. Como em “Nada a Esconder” (2018), dirigido por Fred Cavayé, além de não desenvolver sua personagem a contento, acaba dando vazão a uma certa xenofobia, o único motivo plausível para que se fale de tubarões no Sena às vésperas de um evento pensado para reunir gente do mundo todo. Havia jeitos muito mais honestos de se denunciar a imundície dos mares. “Sob as Águas do Sena” só reforça lugares-comuns e ensaia pretextos elitistas para manter a Cidade Luz protegida das bestas.
Filme: Sob as Águas do Sena
Direção: Xavier Gens
Ano: 2024
Gêneros: Terror/Suspense
Nota: 7/10