O melhor faroeste do cinema brasileiro está na Netflix Pedro Saad / Netflix

O melhor faroeste do cinema brasileiro está na Netflix

Reverenciados por autores de renome como Graciliano Ramos (1892-1953) e Euclides da Cunha (1866-1909), a caatinga, com seu cenário mágico e hostil habitado por cabras, volantes, cangaceiros e soldados rasos das forças de segurança primitivas do início do século 20, possui para o Brasil um significado semelhante ao do Velho Oeste para os Estados Unidos, aproximadamente dois séculos atrás.

Os encantos dos recantos mais sombrios do Nordeste, uma região que persiste em um estado de paralisia temporal, são reforçados pela ação de políticos corruptos, cuja sobrevivência depende da ignorância da população. Esta, por sua vez, perpetua-se através de medidas assistencialistas, necessárias, mas degradantes, criando um ciclo interminável. Em “O Matador”, quase todos os elementos exaltam o lado místico do sertão.

Contudo, uma análise atenta revela que, no fundo do filme de Marcelo Galvão, há uma crítica social semelhante àquela encontrada nas obras de José Lins do Rego (1901-1957), Graciliano Ramos (1892-1953) e Euclides da Cunha (1866-1909), ainda que de maneira superficial e, por vezes, desleixada.

O objetivo do roteiro de Galvão nunca foi expor as feridas do valente povo sertanejo, o que talvez seja seu maior acerto. O diretor-roteirista recupera aspectos que, gostemos ou não, se perdem na corrosão do tempo. Após uma introdução pouco inventiva, em que apresenta seus personagens através de imagens granuladas sobre um fundo vermelho, o espectador começa a compreender suas intenções.

Um homem enigmático é abordado por duas figuras igualmente suspeitas em uma clareira improvável no meio daquela floresta incomum. A narrativa segue naturalmente para um cordel vivo de versos livres, trazendo à tona figuras lendárias como Lampião e Maria Bonita, logo romanceadas pela imaginação do público. Na voz aparentemente tranquila desse cantador de toada nua, sem viola ou acordeão, materializa-se a saga de um matador, acompanhada da subtrama que descreve a ascensão e queda do garimpo nos recônditos de Pernambuco em 1910, permeando todo o filme.

Três turmalinas Paraíba, então mais valiosas que diamantes, transformam a vida no sertão em um cárcere maior que o mundo para Cabeleira, o antagonista interpretado por Diogo Morgado. A partir deste ponto, Galvão intensifica a força da metáfora, elevando a narrativa a seu ponto mais alto e observando-a descer gradualmente. Durante esse movimento parabólico, surgem personagens nefários como Sete Orelhas, Navalhada, Boca Seca e Peruano, todos ligados à vida de Cabeleira de maneiras diametralmente opostas.

A fotografia de Fabrício Tadeu, com cenas desconfortavelmente escuras seguidas por sépias exagerados, ameniza a repulsa das cenas em que o vilão de Morgado é visto devorando escorpiões e eviscerando calangos e pardais, em flashbacks recorrentes que lembram as duras leis daquela selva implacável. Nesta terra, a única colheita é a miséria, que campeia livremente sem necessidade de semeadura. No desfecho, Galvão retorna ao núcleo dos três homens no coração da caatinga e faz as revelações esperadas, num caso curioso de filme que começa mal e termina pior, mas se salva pelo miolo, como o pavio de uma vela em talo de macaxeira.


Filme: O Matador
Direção: Marcelo Galvão
Ano: 2017
Gêneros: Drama/Faroeste
Nota: 8/10