Um dos maiores faroestes da história do cinema está na Netflix Divulgação / Columbia Pictures

Um dos maiores faroestes da história do cinema está na Netflix

Cowboys são uma das mais firmes e respeitadas instituições dos Estados Unidos, e “Silverado” é um filme que reafirma essa ideia. No início de sua história, quando a jovem nação ao norte do Rio Grande lutava para se consolidar como uma república federativa verdadeiramente democrática, os treze estados originais deviam observar as quinze emendas da Constituição, mas tinham autonomia para decidir conforme suas próprias necessidades.

A fragilidade das leis, o desrespeito do cidadão comum e a desordem resultante eram desafios que o novo país da América precisava superar para provar que seu esforço bélico de sete anos, entre 1776 e 1783, valia a pena. Durante esse período, declararam sua independência unilateralmente e, em 3 de setembro de 1783, finalmente se viram livres do domínio de Jorge III.

Esse caos, presente em todas as camadas da sociedade americana do século 19, sem restrições quanto a dinheiro, fé, origem e, especialmente, cor da pele, é a base usada por Lawrence Kasdan para abordar invasões de terra, roubo de gado, famílias desfeitas, mulheres que se prostituem e jovens sem esperança. Na introdução, Kasdan situa o público no cenário árido e atraente do sudoeste da Califórnia, que ele explora em pouco mais de duas horas.

 Não há muito que já não tenha sido mostrado em produções icônicas do gênero, como “Joe Kidd” (1972), dirigido por John Sturges, ou “Três Homens em Conflito” (1966), talvez o enredo de faroeste mais complexo e cativante já levado às telas, criado por Sergio Leone, reconhecido como o realizador mais meticuloso do western. É interessante observar isso em um cineasta conhecido por comédias românticas como “Surpresas do Coração” (1995) ou dramas bem-humorados como “O Reencontro” (1983), além do roteiro de “Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida” (1981), de Steven Spielberg.

Sobre o roteiro, Lawrence e seu irmão Mark dispõem os personagens com calma, até que os conflitos começam a se intensificar. A clássica sequência da travessia a cavalo de um curso d’água caudaloso esconde muito do que o diretor quer com “Silverado”, que se revela, apesar das fórmulas usuais, um filme refrescante. Gradualmente, um mistério em torno da figura de Paden, o forasteiro encontrado seminu e desfalecido na estrada para o povoado onde o oeste distante respira, vai se desenrolando.

Ele é de Leavenworth, não se sabe se no Kansas ou em Washington, mas em qualquer caso, percorreu uma longa distância até acabar ali. Kevin Kline capta a aura de segredos obscuros e a inadequação de seu personagem, e cenas como a que mostra Paden tentando se ajustar ao novo ambiente, tentando comprar uma boa arma mas se contentando com uma pistola de segunda mão, trazem uma comicidade involuntária que nos deixa mais compadecidos do que vexados com a situação.

Kasdan abre espaço para Jake, o irmão conquistador vivido por Kevin Costner, introduzindo um contraponto à jornada de Paden. Surge a possibilidade de um reencontro fortuito dos dois: Paden, vagando pelo mundo em busca de um motivo para se fixar, e o personagem de Costner, temporariamente impedido de alimentar seu espírito aventureiro.

“Silverado” assume o caráter de uma crítica de costumes quando Danny Glover entra em cena como Mal Johnson, o caubói negro que enfrenta racismo no saloon de Estela, interpretada pela oscarizada Linda Hunt, a presença mais luminosa do filme. Esse primeiro arco se fecha com Emmett, o sábio de Silverado, em uma performance comovente de Scott Glenn.

O diretor transita habilmente entre as subtramas, denunciando xerifes desonestos, enaltecendo bartenders amigáveis e glorificando mulheres bonitas e inteligentes, o arquétipo da mulher perfeita e disputada a ferro e fogo em um mundo cão como aquele, onde é mais fácil encontrar ouro na rua do que um homem digno.

“Silverado” estreou em uma época que, em muitos aspectos, se assemelha ao período retratado por Kasdan em seu filme, e seus quatro protagonistas conseguem fazer com que o público sinta saudades de um tempo certamente mais duro, mas também mais compreensível, com bandidos e mocinhos claramente definidos. A vida, no entanto, continua sendo essa arena poeirenta e desordenada.


Filme: Silverado
Direção: Lawrence Kasdan
Ano: 1985
Gêneros: Western/Comédia/Aventura/Ação
Nota: 8/10