Indicado ao Oscar, o filme mais bonito que você verá esta semana está na Netflix Divulgação / Charades

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As cenas iniciais do filme “Aftersun” podem parecer tranquilas, mas logo revelam uma complexidade emocional profunda. Em um quarto de hotel, um diálogo entre um pai e sua filha pequena desdobra-se, com a criança esforçando-se para parecer mais madura diante do pai, que ela vê como um homem já muito envelhecido, apesar de suas três décadas de vida. Essa percepção provavelmente é intensificada pela proximidade que lhe permite notar os hábitos arraigados do pai, seus desejos não realizados e a melancolia que carrega após o término recente de seu casamento, influenciando negativamente todos os aspectos de sua vida. 

Charlotte Wells utiliza suas memórias pessoais para construir os personagens Calum e Sophie, que são o centro desse relato cinematográfico. O público se identifica imediatamente com a narrativa, que combina autenticidade, destruição e cura, similar ao fogo. A diretora, que perdeu seu pai aos dezesseis anos, reflete sobre essa perda em seu filme, mesmo residindo longe dele, entre Nova York e Londres. A separação forçada por sua morte teve um efeito devastador sobre ela. 

O filme tece uma narrativa que equilibra momentos de dor aguda com lampejos de esperança, permitindo ao espectador vislumbrar a possibilidade de dias mais felizes. Essa mistura de elementos poéticos e técnicos cria uma narrativa envolvente sobre a vida de pessoas ordinárias, proporcionando tanto emoção quanto suporte ao público. 

Em uma viagem à Turquia, num resort simples, Calum e Sophie tentam aproveitar os raros momentos juntos. Wells insere sutis indicações sobre o estado emocional de Calum, como quando ele acende um cigarro após longos minutos, dificultados por um braço engessado. Um erro de reserva do hotel os coloca em um quarto com apenas uma cama, mas a possibilidade de dividirem a mesma cama é prontamente descartada, talvez devido às pressões de uma sociedade excessivamente cautelosa. 

A narrativa não se entrega completamente ao desespero, e em uma cena seguinte, em um ensolarado parque aquático, observamos Calum e Sophie, com ela interagindo de forma um tanto ambígua com um garoto no fliperama. Paul Mescal e Frankie Corio alternam-se na preferência do público, cada um destacando suas dores individuais. 

Sophie reflete a melancolia de Wells com relação ao divórcio de seus pais e mostra que sua convivência com a mãe está longe de ser tranquila. Calum, por sua vez, apesar de ouvir as reclamações da filha, se encontra perdido quanto ao seu futuro, pensando em abrir um café com um amigo, sem realmente acreditar nessa possibilidade. 

O filme se posiciona claramente ao lado de Sophie, especialmente quando Celia Rowlson-Hall assume o papel da personagem, evidenciando a determinação de Wells em destacar sua visão dos eventos. A cinematografia de Gregory Oke adiciona uma dimensão onírica ao filme, como na cena em que uma adulta Sophie revisita uma memória de duas décadas atrás, encontrando Calum em um transe quase hipnótico em uma pista de dança lotada, movendo-se ao som da música sob luzes que piscam intensamente. Essa memória me fez pensar em meus pais, também jovens demais para compromissos sérios, despertando em mim uma compaixão que já senti em outras ocasiões. Talvez seja essa a realidade que nos aguarda após o sol. 


Filme: Aftersun 
Direção: Charlotte Wells 
Ano: 2022 
Gêneros: Drama/Coming-of-age 
Nota: 9/10