A melhor comédia romântica dos últimos 5 anos acaba de estrear na Netflix e vai aquecer seu coração Divulgação / Imagem Filmes

A melhor comédia romântica dos últimos 5 anos acaba de estrear na Netflix e vai aquecer seu coração

Poucos diretores na história do cinema souberam contar com a devida graça as armadilhas do destino como Woody Allen segue fazendo. Aos 88 anos, Allen, a encarnação mesma do sacerdócio que é dar vigor a um texto ainda sem forma e levá-lo às dimensões monumentais de uma tela com todos os elementos técnicos encaixando-se em perfeita concórdia, mantendo aquela artesania que nunca deixou de nos encantar, é dono de uma vasta obra a respeito do que o homem significa para as forças do universo que regem a existência de toda criatura sob o sol — ou seja, nada.

Essa sensação torna-se inescapável em “Um Dia de Chuva em Nova York”, a sucessão dos desencontros que, em pouco mais de 24 horas, muda por completo a vida de um jovem casal. Ao longo de hora e meia, o diretor-roteirista vai espalhando no filme uma e outra menção a personalidades maiúsculas do século 20 que cantaram a vocação de Nova York quanto a unir e separar corações tomados de paixão, o que confere a seu trabalho a aura de documento pulsante de uma época que poderia durar para sempre — malgrado ele, outra vez, saiba como ninguém que o melhor que temos a fazer é nos adaptar ao tempo em que estamos. 

Esse mote das ligações cósmicas, vínculo incorpóreo que a humanidade fortalece entre si — magnificamente burilado em filmes a exemplo de “Um Lindo Dia na Vizinhança” (2019), de Marielle Heller, qualquer um dos trabalhos de François Truffaut (1932-1984) ou, para continuar em Allen, “Meia-Noite em Paris” (2011), quiçá a narrativa cabal sobre a inutilidade de se chorar o tempo perdido, ainda que, lamentavelmente, somos, todos, escravos do tempo, carrasco da vida que fustiga-nos com a morte de quando em quando.

Desde o primeiro suspiro, o homem é apanhado numa contenda figadal contra o único adversário que nunca poderá vencer, passem-se duas horas ou um século. Sem pressa, o mais cínico dos verdugos permite que nos locupletemos com o confortável sofisma que esconde uma promessa qualquer de felicidade, sendo que o gênero humano está essencialmente condenado a perseguir a quimera de ser feliz, já que o mundo é, como na caverna de Platão (428 a.C – 348 a.C), só um simulacro das projeções muito íntimas de cada um, de conceitos eivados de nossas idiossincrasias as mais diversas, que por seu turno mantêm-nos mais e mais encafuados em nossos sonhos e delírios. 

Em seu 48º filme, Allen coloca suas frustrações existenciais sobre Gatsby Welles e Ashleigh Enright, os namorados vividos por Timothée Chalamet e Elle Fanning. O protagonista masculino, óbvia referência ao romance de F. Scott Fitzgerald (1896-1940) publicado em 1925, e ao diretor-protagonista de “Cidadão Kane” (1941), é um burguês ridículo que frequenta uma universidade tradicional no subúrbio de Nova York, sabendo que seu talento é mesmo vencer rodadas de pôquer disputadas com quarentões pretensiosos, nas quais embolsa fácil uma bolada de vinte mil dólares.

Gatsby conhecera Ashleigh no deslocamento entre uma e outra aula, e a viagem para a megalópole surge pela chance da moça entrevistar Roland Pollard, um cineasta que, vai-se assistir, está preso numa angústia patológica. Liev Schreiber acrescenta uma bem-vinda dose de tragédia às cenas saborosamente agridoces que caracterizam o filme, bem como Selena Gomez na pele de Chan, a garota com que o personagem de Chalamet cruza numa rua do Brooklyn num contexto bem alleniano, faz de “Um Dia de Chuva em Nova York” um conto de fadas pós-moderno, original e 

nada piegas, com a troca de casais que também inclui Diego Luna como Francisco Vega, um cafajeste latino com quem Ashleigh tem um quase romance desastroso. É claro que, em sendo Allen, o filme vai muito mais longe, mas isso bastaria. E basta de fato. 


Filme: Um Dia de Chuva em Nova York 
Direção: Woody Allen 
Ano: 2019 
Gêneros: Comédia/Romance 
Nota: 9/10