O filme brasileiro, que é um dos mais assistidos da Netflix na atualidade, e fará você acreditar em milagres Divulgação / Imagem Filmes

O filme brasileiro, que é um dos mais assistidos da Netflix na atualidade, e fará você acreditar em milagres

Todo cuidado é pouco quando se trata de julgar a fé alheia e é preciso humildade e discernimento ao se conhecer histórias como a de José Pedro de Freitas (1921-1971). Freitas, o Arigó, tornou-se um fenômeno em Congonhas, no sudeste de Minas Gerais, graças ao dom de extirpar tumores e curar lesões de catarata empregando facas de cozinha com tamanha destreza que jamais tirou uma gota de sangue dos mais de dois milhões de peregrinos que foram ao seu encontro na casa humilde em que morava com a esposa, Arlete, e os sete filhos do casal.

“Predestinado”, de Gustavo Fernández, conta parte da história do segundo grande nome da mediunidade nacional, atrás do também mineiro Chico Xavier (1910-2002), baseado em Uberaba, na outra ponta do estado. A distância geográfica emula a particularidade da atuação de Xavier e Arigó, o primeiro um grande divulgador da doutrina espírita e este uma espécie de prático do kardecismo, usado pelo espírito do Doutor Fritz, entidade cuja presença no plano material nunca foi comprovada, mas que, segundo os espíritas, teria nascido na Alemanha e se radicado na Polônia, até ser convocado para atender os soldados que davam baixa durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

O componente místico e mítico é indissociável do trabalho de Arigó, Xavier e João Teixeira de Faria, até Faria, o João de Deus, responder por acusações de assédio sexual e estupro de centenas de mulheres no centro que mantinha em Abadiânia, no sudoeste goiano — e já ter sido condenado em alguns processos. O roteiro de Jaqueline Vargas, inspirado em “Arigó: Surgeon of the Rusty Knife” (“Arigó: cirurgião da faca enferrujada” em tradução literal), narração de assumido pendor hagiográfico do americano John G. Fuller (1913-1990), afasta o personagem central de figuras criminosas como Faria e o coloca no panteão dos heróis brasileiros, a exemplo do que segue representando Xavier, abordando com excessiva cautela as miudezas terrenas de Arigó.

Como se sabe, os encontros nos centros kardecistas hoje se dão em salas que os arquitetos e decoradores contemporâneos tachariam de clean, com amplas janelas, iluminação natural abundante, de preferência ao ar livre e, por óbvio, com todos vestidos de branco, sentados à uma mesa coberta de pano da mesma cor. Assim também acontecia em Congonhas, não por apuro estético, mas pela precaridade mesma da casa de Arigó, que custou a reconhecer a vocação para se comunicar com os seres do além-túmulo.

Nas primeiras cenas, as melhores do filme de Fernández — diretor artístico do remake da novela “Pantanal” (2022), agora na Rede Globo, junto com Rogério Gomes, o Papinha —, Danton Mello absorve as inconsistências muito humanas de Arigó, um católico meio bissexto que vai se habituando ao estranho dom de ver e ouvir os mortos à medida que entende sua própria essência, que é inútil lutar contra sua natureza.

Arlete, vivida por uma quase irreconhecível Juliana Paes, é uma peça fundamental nesse processo, de igual transformação para ela, embora com o sinal trocado. Arlete decide apoiar o marido depois de hostilizada durante a missa, pelo pároco Anselmo, de Marcos Caruso. O filme se estende por 108 minutos ao longo dos quais entra uma legião de personagens secundários, mas esses três segurariam a história sem muito esforço.


Filme: Predestinado
Direção: Gustavo Fernández
Ano: 2022
Gêneros: Drama
Nota: 8/10