Baseado em uma história real, o filme que fez as pessoas desmaiar nos cinemas está na Netflix Divulgação / Lifetime

Baseado em uma história real, o filme que fez as pessoas desmaiar nos cinemas está na Netflix

Não há nada tão assustador quanto a realidade e os mistérios que encerra. Ao longo da vida, vamos nos deparando com situações tão esdruxulamente medonhas que assalta-nos o pensamento quanto a se estar num sonho mau que deixara o âmbito da imaginação mais inofensiva e passara a habitar o mais concreto da existência, conjuntura a um só tempo singular e perigosa. “Sequestro em Cleveland” desdobra-se entre três personagens, mas conforme a história ganha corpo, a diretora Alex Kalymnios prefere se concentrar mesmo é na exposição de uma delas, justamente a que reúne todos os aspectos que ensejaram o conflito em que se baseia a trama. Em 2002, Michelle Knight, uma garota de 21 anos, vai se enterrando na movimentada cidade de Ohio à que o título alude, no centro-oeste dos Estados Unidos.

Sem emprego nem perspectivas, morando de favor na casa de uma mãe que não faz nenhuma questão que ela esteja ali, Knight, alma do roteiro de Stephen Tolkin, é personificada pela grandeza do talento de Taryn Manning. Ao se cansar dessa sina, a personagem de Manning decide sair para procurar trabalho, mas vai já ressabiada, e algo lhe diz, amparada na experiência de tantos anos, que pode não estar fazendo a coisa certa. Por não ter acabado o ensino médio, ela não pode trabalhar na lavanderia onde sua busca por dignidade começa. Frustrada, ainda mais cheia da melancolia que a assombra há tempos, volta para casa e encontra o filho na companhia de um ex-namorado violento, que tenta abusar dela e parte para cima da criança, que baixa ao hospital.

Kalymnios constrói cada lance dessa escalada de eventos de forma a preparar a audiência para o que virá a seguir, dando a impressão de que na vida de sua mocinha não há mesmo espaço para a possibilidade de momentos felizes. Quase instantaneamente — e talvez esse seja o grande defeito de seu filme, a pressa: tudo tem menos de hora e meia para acontecer —, Knight se vê diante da reviravolta mais amarga de sua pouca sorte já tão marcada pelo infortúnio, depois dos eventos relacionados ao filho.

Está agora nas mãos de Ariel Castro, um conhecido que supunha apenas disposto a ajudá-la. Da mesma maneira que o ex-companheiro fizera com seu filho, Castro, com Raymond Cruz preciso como Manning, investe contra ela, que num piscar de olhos é feita refém. No cativeiro, acorrentada, presa ao teto do quarto imundo em que sofrera o primeiro ataque, Knight, agora uma escrava sexual, vive onze anos de espancamentos e humilhações as mais asquerosas. Nesse meio tempo, chegam ainda Amanda Berry, encarnada por Samantha Droke, e Georgina DeJesus, de Katie Sarife, cada uma reagindo a seu modo às intervenções de Castro, que por seu turno também responde de um modo bastante idiossincrásico a cada uma.

Berry engravida de seu algoz, e ele se empenha para que dê à luz com a maior segurança possível. Algumas sequências antes, Knight também ficara grávida do facínora, mas ele se empenhara em fazê-la abortar, golpeando-a na barriga com um haltere. Essa imagem passa quase despercebida, mas só ela já se prestaria a um bom resumo do que havia sido a vida da moça até aquele instante, rejeitada por todos, inclusive por um homem torpe como seu algoz. Nessa altura da narrativa, Kalymnios aproveita para levantar pontos de contato entre as trajetórias do vilão e de sua vítima e qual a postura de cada um frente a suas desgraças.

O calvário das personagens de Manning, Droke e Sarife, por mais assustador que seja, não é tão incomum. Em “O Quarto de Jack” (2015), Lenny Abrahamson conta a história de uma mulher aprisionada por ainda mais tempo, 24 anos, e que, como Berry, também dera à luz um filho de seu agressor enquanto sua cativa. O filme de Abrahamson é igualmente baseado num episódio real, em que o austríaco Josef Fritzl estuprara a filha por todo esse tempo, privando-a do convívio social. À diferença de Fritzl, ainda vivo e cada vez mais próximo da liberdade, valendo-se de um polêmico indulto humanitário, Ariel Castro enforcou-se na prisão. O filho de Michelle Knight foi adotado por outra família e mudou de nome. Os dois nunca mais voltaram a se ver.


Filme: Sequestro em Cleveland
Direção: Alex Kalymnios
Ano: 2015
Gêneros: Drama/Crime
Nota: 9/10