No filme “Shirley”, dirigido por John Ridley, em que Regina King estrela como a própria Shirley, o marido, Conrad (Michael Cherrie), a descreve como uma força nuclear. Já percebeu como todas as mulheres em posição de poder são sempre vistas como uma força avassaladora e muitas vezes tóxica? É assim que elas são vistas pelos homens, mesmo quando eles são bons e as apoiam. É que o protagonismo feminino naturalmente incomoda os homens, porque não parece ser o curso natural das coisas. Mas quem determinou esse tal curso que nunca foi realmente natural?
Entre a 13ª emenda, que aboliu a escravidão de negros nos Estados Unidos, e o direito ao voto, passaram-se 100 anos. Ainda há quem diga que o racismo não existe, que é invenção de um espectro político, ou vitimismo. A verdade é que o mundo tem avançado com passos de formiga em questões políticas e sociais antirracistas. As dificuldades, no entanto, são ainda maiores quando falamos de mulheres negras.
John Mercer Langston, o primeiro homem negro a ascender a um cargo no Congresso dos Estados Unidos, conquistou a cadeira ainda em 1888, através de uma eleição indireta, na qual os próprios parlamentares o escolheram para compor o legislativo em um período de reconstrução pós-Guerra Civil. Então, levou-se quase 100 anos desde o primeiro homem negro na política até a primeira mulher negra ocupar a mesma posição. Isso mostra substancialmente como os avanços dos direitos das mulheres caminham ainda mais lentamente do que as questões raciais. Se o mundo já é duro para um homem negro, para uma mulher negra, é muito pior.
Apenas em 1968, Shirley Chisholm, a primeira mulher negra dos Estados Unidos a ser eleita para um cargo político, conseguiu ocupar uma cadeira na Câmara dos Deputados. Uma figura de extrema relevância na luta pelos direitos civis e pela justiça social, Shirley disputou a candidatura à presidência pelo partido democrata, tornando-se também a primeira mulher negra a buscar a indicação do partido para disputar a cadeira de chefe de estado.
O marido, Conrad, em vários momentos, repete sobre como fica à sombra da mulher, como se sacrifica para realizar os sonhos e objetivos dela, como se o propósito de Shirley fosse pessoal e egocêntrico. O marido não é retratado como um vilão, mas Ridley não esconde como Conrad se vê como alguém que se submete à opressão de sua masculinidade para que sua mulher tenha todos os holofotes.
Shirley não deseja apenas dar a palavra final dentro de seu lar, mas no país. Não por vaidade, mas para fazer a diferença na vida de outras pessoas. No domínio dos homens, a política sempre privilegiou quem já está por cima: homens, brancos e de classes sociais mais elevadas. É notável que as políticas de cuidado predominem nos gabinetes de mulheres em cargos políticos, não nos de homens. Isso demonstra que as mulheres se preocupam mais com o bem-estar coletivo do que os homens.
Enquanto acompanha os trabalhos do grupo de campanha de Shirley e como ela encara seu papel de liderança como uma forma de estabelecer pontes de lealdade, confiança e apoio político, o filme retrata as dificuldades pessoais enfrentadas pela candidata, o medo de se tornar alvo de opositores de seus ideais e a forma como lida com suas relações familiares e os laços de amizade.
“Shirley”, na Netflix, é uma versão higienizada e polida de uma luta política que provavelmente teve mais intrigas e baixarias do que são apresentadas, mas é uma clara demonstração de que os interesses femininos na política são quase sempre mais altruístas. Shirley pode não ter conseguido consolidar seu nome na disputa presidencial, mas consolidou seu nome na história.
Filme: Shirley para Presidente
Direção: John Ridley
Ano: 2024
Gênero: Biografia/Drama
Nota: 8/10