Filme alucinante com Helen Mirren, que acaba de estrear na Netflix, vale cada milésimo de segundo do seu tempo Divulgação / Summit Entertainment

Filme alucinante com Helen Mirren, que acaba de estrear na Netflix, vale cada milésimo de segundo do seu tempo

Histórias protagonizadas com lindas mulheres que se revelam feras implacáveis, cuja natureza assassina se esconde sob uma pele bem-tratada, cabelos sedosos e maquiagem provocante ou arrebatam o público logo de cara, apelando aos atributos físicos dessas musas diabólicas para chegar a seus dramas existenciais, ou degringolam em xaropadas que perdem-se em meio a ideias megalômanas de reviravoltas artificiosas que não chegam jamais a lugar nenhum.

“Anna — O Perigo Tem Nome” oscila entre esses dois polos com equilíbrio cartesiano, característica fundamental de um cineasta que atira petiscos que levam a audiência à direção oposta para a qual deveria ir, enquanto deixa seu lado manipulador extravasar no roteiro. Besson amalgama um par de suas protagonistas mais marcantes (e mais controversas) para compor uma terceira anti-heroína com cujo nome batiza outro grande filme. Encontram-se em Anna Poliatova, a garota malvada da vez, traços de Lucy, a mocinha seviciada que se vinga de seus malfeitores no longa homônimo lançado em 28 de agosto de 2014, e Mathilda, a pirralha assustadiça que se torna a menina dos olhos do sicário pós-moderno de “O Profissional” (1994). Mas Anna é única.

Numa feira de rua de Moscou, Anna vende matrioscas, as famosas bonequinhas em cujo interior se escondem outras ainda, menores, mas igualmente encantadoras, o que não deixa de ser uma maneira engenhosa de Besson prevenir o espectador quanto ao que pode sair da moça. Ela é descoberta pelo olheiro de uma renomada agência de modelos francesa, e ainda que hesite um pouco, uma vez que estuda biologia na Universidade Estatal, aceita o convite do homem.

A partir daí, o diretor encadeia cenas em que Anna, uma personagem aparentemente banal fortalecida pelo carisma magnético de Sasha Luss, surge desbravando o mundo pantanoso da alta moda, desde o caótico apartamento em que vai morar no 7º arrondissement, nas cercanias da Torre Eiffel, junto com outras dez aspirantes a top model, até o primeiro ensaio, ao som da contagiante “Pump Up the Jam” (1989), do Technotronic, que não acaba muito bem. Não se fica sabendo se chega a cair nas graças de Mario Conti, como lhe haviam prometido; o que importa mesmo é a volta que o enredo dá a fim de explicar como Anna se metamorfoseia de manequim de luxo para pistoleira de aluguel, e sua primeira encomenda é justamente um magnata seu patrício, que o texto de Besson revela ser um traficante de armas subvencionado pela CIA, o serviço de inteligência externa dos Estados Unidos.

Um longo flashback mostra Anna presa de um namorado abusivo e criminoso, com o qual se envolve num episódio de extorsão que quase lhe custa uma temporada na cadeia. Ela é salva por Alex, um agente da KGB que, escarafunchando seus registros, descobre que ela já foi fuzileira naval, joga xadrez como poucos e tem uma memória privilegiada, sobretudo para citações inteiras de Dostoiévski. Anna e Alex, interpretado por Luke Evans, vivem um tórrido caso de amor — muito da parte dele, que se diga —, o que é determinante para seja contratada por Olga, a diretora moscovita do Comitê de Segurança do Estado.

A entrada de Helen Mirren na trama conduz “Anna — O Perigo Tem Nome” para o andamento policial que deixa o filme cada vez mais sedutor, até a cena em que Olga, sentada à mesa com as imagens de Vladimir Ilyich Ulianov (1870-1924), ou Lênin para os íntimos, e Leon Trótski (1879-1940) ao fundo, surpreendentemente, cumpre uma antiga promessa e apaga os arquivos que poderiam implicar no sumiço daquela que passou a considerar uma filha. Afinal, velhas serpentes soviéticas também sabem reconhecer quando são derrotadas.


Filme: Anna — O Perigo Tem Nome
Direção: Luc Besson
Ano: 2019
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 9/10