O filme da Netflix que vai acalmar a alma, elevar o espírito e fazer você acreditar em milagres Divulgação / TriStar Pictures

O filme da Netflix que vai acalmar a alma, elevar o espírito e fazer você acreditar em milagres

A humanidade sempre esteve muito mais próxima de Barrabás que de Jesus Cristo. Nossas imperfeições teimam em nos denunciar, e talvez nem nos reconheçamos sem elas, argumento muito bem empregado por Randall Wallace em “O Céu É de Verdade”.

Se nascemos todos impedidos pela mácula do pecado original, por que a alguns caberia o privilégio de estar frente a frente com o próprio Deus encarnado, ouvir Seus conselhos, receber Dele o alívio para suas dores ou mesmo tornar à vida depois de já ter sentido o gosto amargo da morte? Wallace, claro, não se atreve a responder, mas vai a uma fonte um pouco mais avalizada na intenção de conseguir pistas que deem a ele e ao público a certeza de que não é nenhum absurdo sonhar com um santo refresco no martírio do cotidiano, sem ter de abandonar tudo aqui embaixo de uma vez.

Baseado no best-seller homônimo de Todd Burpo e Lynn Vincent publicado em 2010, o roteiro do diretor, Chris Parker e do próprio Burpo, sustenta que contatos imediatos com dimensões mais elevadas não são tão difíceis nem tão raros assim, a depender de quem esteja na outra ponta e, o mais importante, o que está planejando. E aí tem início uma outra discussão, muito mais controversa.

O homem desenvolve invenções revolucionárias — a exemplo do próprio cinema —, empreende negócios mirabolantes e lucrativos, dedicou-se a pesquisar e descobrir novos medicamentos para males cujo desaguadouro era a morte certa e outros que vieram com a evolução mesma do gênero humano, mas continua a se sabotar e se autodestruir. A ciência, a medicina, a arquitetura e, claro, a arte seguem seu propósito de aperfeiçoar a outrora chamada raça humana, mas neste momento diversas nações travam guerras — muitas vezes contra seu próprio povo —, a distribuição de renda é um escândalo por si só e muita, mas muita gente sequer tem o que comer.

Ou seja, o homem continua irredutível naquele que parece ser seu projeto maior: ser seu próprio lobo. Para muita gente sabida, é dificílimo entender por que Deus, que tudo sabe, que vê todas as coisas que se passam desde o princípio dos tempos, inclusive as que ainda nem saíram do coração do homem, molda uma criatura à sua semelhança e imagem, mas uma criatura imperfeita, que peca, que rouba, que mata e, não satisfeito, malgrado saiba que o homem é fraco, é mau, o pune por suas faltas, quando, Nome sobre todo nome, deveria interferir e apartar do gênero humano a sanha bestial. Seria Deus também imperfeito, pecador, facínora, e, para piorar, um sádico?

A inocência das crianças seria uma ponte sólida entre a matéria e o paraíso, e já na primeira cena o diretor sinaliza que este é de fato o eixo aqui. Na Lituânia, Akiane Kramarik ganhou fama internacional ao pintar telas hiperrealistas com figuras que dizia ser Jesus. Suas “visões” eram creditadas a uma experiência traumática que tivera quando mais nova, e em Imperial, cidadezinha do Nebraska, no coração da América, pouco tempo mais tarde, Colton Burpo, um menino de quatro anos relata aos pais fatos sobre sua família que não tem idade para ter vivido — além da obsessão pelo rosto do profeta maior do cristianismo.

Seu pai, Todd, é um homem de bem, bombeiro e pastor da Igreja Metodista Wesleyana em Imperial, que, por óbvio, fica intrigado com as conversas que Colton teima em manter com ele, inclusive bombardeando-o com perguntas para as quais ele viveria cem anos e não saberia responder. A química entre Connor Corum e Greg Kinnear é o único elemento capaz de manter de pé um filme tão pleno de reducionismos de toda natureza. Uma cena na transição do segundo para o terceiro ato, quando o menino troca de lugar com o pai vale boa parte de um filme sem dúvida bem-intencionado, mas pobre, paupérrimo. E graças a certas boas intenções o inferno nunca passou aperto.


Filme: O Céu É de Verdade
Direção: Randall Wallace
Ano: 2014
Gêneros: Thriller/Drama
Nota: 7/10