Desligue o cérebro e aproveite o dia: nova comédia da Netflix vai te fazer rir Divulgação / AV Films

Desligue o cérebro e aproveite o dia: nova comédia da Netflix vai te fazer rir

Três amigas resolvem dar um tempo do trabalho, do marido e da filha e fazer uma viagem ao coração da Amazônia peruana, antes que enlouqueçam. Em “A Ilha Bonita”, Ani Alva Helfer faz de um singelo passeio de quarentonas entediadas o tropo de que qualquer um pode apropriar-se, em especial a dada altura da vida. Helfer tem o condão de misturar humor e fantasia a um comentário sobre o empobrecimento da classe trabalhadora média em seu país, que deságua, na conclusão, numa crítica à degradação da natureza, mais fraca, porém igualmente necessária.

Esse trio de mulheres fortes cada qual a seu modo, independentes, donas dos próprios narizes — e de todo o resto —, parece ter vivido somente para passar pela experiência de reconectar consigo mesmas, de se reencontrar com quem são de verdade, submetendo-se à majestade da floresta, onde se deparam não apenas com as mais exóticas formas de vida, árvores milenares de copas maiores que uma avenida e espécies em extinção. O roteiro, da diretora em parceria com Dorian Fernández-Moris e Rogger Vergara Adrianzén, parece instigar o espectador a também descobrir essas personagens, e descobrindo-as, tirar o véu de segredos que nem imaginava guardar.

Nascemos cheios de questões muito particulares, muito bem guardadas, de dúvidas, de incertezas, de dilemas existenciais, e isso já seria o bastante para definir o homo sapiens como a espécie mais desgraçada da criação. O infeliz do gênero humano precisa que o avalizem quanto ao que ele é ou deixa de ser, e essa é outra tragédia incontornável do ser gente. As grandes transformações sociais começam dentro de cada homem, daí ser impossível, à luz do pensamento de gênios como o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), uma pretensa salvação do homem.

A humanidade só se salvaria, irredutivelmente, se cada um de nós se desse conta de seus defeitos e se emendasse, o que, é uma lástima, nunca vai acontecer. Cada um é responsável por sua própria redenção — ou sua própria desdita —, sendo sempre possível, evidentemente, arrepender-se, com sinceridade, até o último segundo, tomar um caminho diferente e refazer a vida tanto como possível.

Essa sede de conhecer e de se conhecer é o que une a publicitária Andrea, a linguista Esperanza e Roxana, que tenta fazer alguma coisa do que restou de sua vida depois de uma gravidez precoce e um casamento forçado. Andrea, de Patricia Barreto, arrasta as outras duas, Esperanza sobrevivendo a mais um fracasso como escritora, dessa vez materializado por um livro sobre os encantos do ponto e vírgula, e Roxana como um peixe fora d’água ao se dar conta de que está mesmo longe das obrigações domésticas.

Em que pese aparecem menos, Saskia Bernaola e Emilia Drago, nessa ordem, garantem que a proposta de Helfer se realize, qual seja, oferecer um contraponto surpreendentemente equilibrado sobre as realidades das três protagonistas e dos moradores de Iquitos, “a capital da selva peruana”, onde se localiza o hotel de luxo no qual se hospedam. 

À diferença de “Solteira, Casada, Viúva, Divorciada” (2023), outra pequena odisseia sobre mulheres em busca de inspiração e fôlego, Bernaola, Drago e Barreto contracenam com nativos, o que, claro, extrapola a simples estética. Também ao contrário do que acontece em seu filme anterior, em “A Ilha Bonita” parece saber muito bem envolver plateias as mais heterogêneas num conto de autodescobertas erigidas sobre o chão duro, duríssimo, da vida como ela é.


Filme: A Ilha Bonita
Direção: Ani Alva Helfer
Ano: 2024
Gênero: Comédia 
Nota: 8/10