Aplaudido de pé no Festival de Sundance, o filme brilhante da Netflix que pouquíssimas pessoas assistiram Divulgação / Netflix

Aplaudido de pé no Festival de Sundance, o filme brilhante da Netflix que pouquíssimas pessoas assistiram

A experiência humana frequentemente se assemelha a uma luta constante contra a maré de desafios cotidianos e sonhos não realizados. Nessa batalha diária, muitos se veem presos em empregos que mal suportam, morando em lugares que não correspondem aos seus sonhos de infância, e assistindo, à distância, às vidas aparentemente perfeitas das celebridades. Este é o cenário em que a grande maioria se encontra, navegando por uma realidade que raramente corresponde às suas aspirações mais elevadas.

No coração do filme “Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo”, de 2017, dirigido pelo estreante Macon Blair, encontramos Ruth Kimke, uma personagem que encarna a essência dessa jornada comum. Uma vida marcada pela rotina e pela aceitação passiva da mediocridade é abalada quando sua residência é invadida. O roubo, apesar de não representar uma grande perda material, desperta em Ruth um sentimento de violação e desrespeito, principalmente pela perda de itens de valor sentimental, como uma baixela de prata herdada de sua avó.

O incidente é o catalisador que desperta em Ruth a necessidade de reagir, de não aceitar passivamente as injustiças e invasões de sua privacidade. A narrativa então se desenrola como uma jornada de autoafirmação, onde Ruth, acompanhada de Tony, um vizinho com seus próprios sonhos frustrados, embarca em uma missão para recuperar seus pertences. Essa busca transcende o material e se transforma em uma luta por dignidade e respeito.

O filme, em sua essência, toca na reflexão existencialista de que somos os principais arquitetos de nossas vidas, apesar das inúmeras forças externas que tentam nos moldar. A famosa frase de Sartre, “O inferno são os outros”, é posta à prova, sugerindo que, embora as interações humanas possam ser desafiadoras, a verdadeira batalha está em enfrentar e superar nossas próprias limitações e medos internos.

A trajetória de Ruth no filme é uma representação simbólica dessa luta interna, destacando a importância de se levantar contra as adversidades, mesmo quando o sistema parece indiferente às lutas individuais, como ilustrado pela interação desanimadora de Ruth com a polícia. O filme sutilmente critica a ineficácia das instituições destinadas a proteger e servir, especialmente quando confrontadas com os problemas daqueles considerados insignificantes aos olhos da sociedade.

Em última análise, “Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo” é uma narrativa sobre encontrar força em meio à desolação, sobre a importância de reivindicar nosso espaço e dignidade em um mundo que frequentemente parece indiferente aos nossos problemas. Ruth, ao final, emerge não apenas com seus bens recuperados, mas com uma nova percepção de si mesma e de seu lugar no mundo, talvez pronta para forjar um caminho que verdadeiramente chame de seu.


Filme: Já não me Sinto em Casa Nesse Mundo
Direção: Macon Blair
Ano: 2017
Gênero: Crime/Drama
Nota: 9/10