Uma das mais belas obras-primas do cinema argentino, deste século, está no Prime Video Divulgação / Classic Film

Uma das mais belas obras-primas do cinema argentino, deste século, está no Prime Video

Escrito e dirigido por Daniel Burman, “Ninho Vazio” é um drama argentino com uma belíssima atmosfera intimista e intelectual. O enredo gira em torno do casal de meia-idade Leonardo (Oscar Martínez) e Martha (Cecilia Roth), que veem seu lar esvaziado depois que seus três filhos crescem e saem de casa e se mudam para outros países a trabalho. Com um flashback da infância, o filme mostra uma noite em que, depois de um jantar, Leonardo e Martha chegam em casa e o marido se irrita ao abrir a porta e se deparar com a bagunça deixada pelos filhos adolescentes. Instrumentos musicais, restos de comida e sapatos esparramados por todas as partes. Ele suspira e guarda aborrecido o par de tênis de um dos filhos no guarda-roupa. Anos mais tarde, ele se nega a acompanhar a filha Julia (Inés Efron) até o aeroporto, quando que ela se muda com o marido Ianib (Ron Richter) para Israel.

Martha está triste pela partida da última filha que ainda morava na casa, mas ainda mais contrariada pelo marido não ter feito questão de se despedir apropriadamente da garota. Martha parece mais abalada que o marido pela partida das crianças, mas talvez seja porque Leonardo, renomado escritor, sempre extraiu suas emoções na forma da escrita, tornando-as mais digeríveis em palavras silenciosas nas páginas de seus livros. Martha, pela primeira vez sozinha dentro de casa com o marido há décadas, se exalta. Ele pede que a esposa pare de gritar e uma frase marcante é dita por ela: “Eu sempre tive vontade de gritar, mas nunca pude, porque as crianças estavam dormindo ou porque você estava escrevendo”. Essa oração simbólica ecoa através dos abismos do ser feminino. Ser mulher é ser levada pela rotina, pelas responsabilidades, pelas obrigações e pelas pressões sociais à beira da loucura, mas sem nunca poder enlouquecer. As mulheres não podem incomodar os maridos em seus berços esplêndidos. Não podem alarmar as crianças. Mesmo assim, são sempre chamadas de histéricas. Qualquer mínima demonstração de emoção é prognóstico de insanidade.

Mas agora sozinhos dentro de casa, tendo que conviver apenas um com o outro e suas diferenças, os problemas da relação a dois encobertos pela parentalidade começam a transparecer. Ao mesmo tempo em que fantasia flertes entre sua esposa madura, e ainda muito sexy, com colegas de faculdade, ele próprio desenvolve um romance sexual com sua dentista décadas mais jovem. No entanto, a realidade enxergada pelo protagonista não é confiável. Seus diálogos com o doutor Sprivak (Arturo Goetz), além de uma conversa com o genro, Martha e Julia, em Israel, em que ele fala sobre as lembranças de um tapete em casa, dão pistas de que nem tudo que vemos através dos olhos de Leonardo é a realidade e que, muitas vezes, a fantasia e a memória se misturam.

“Ninho Vazio” é um filme tão precioso e delicado de Daniel Burman, uma verdadeira obra-prima do cinema argentino que acaba escondido no meio de toda a tralha hollywoodiana. São obras como essa que nos fazem refletir sobre a tradição do cinema na Argentina e a superioridade deles na realização produções extremamente ricas e profundas.


Filme: Ninho Vazio
Direção: Daniel Burman
Ano: 2008
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 10