Um dos filmes mais aguardados de 2023 acaba de chegar na Netflix Divulgação / Netflix

Um dos filmes mais aguardados de 2023 acaba de chegar na Netflix

“Família” é mais um filme a tocar nas feridas de gente que se ama sob a perspectiva do dinheiro, o que, é forçoso admitir, torna-se um método bastante eficaz quanto a se saber até que ponto resiste o bem-querer entre eles. Junto a um elenco estrelado, Rodrigo García erige uma história que não se rende ao óbvio e não se furta a discorrer numa cena sobre assuntos à primeira vista incompatíveis, até que se tenha a noção límpida de que uma coisa não anda sem a outra. 

Operando com atores e atrizes badalados no México, o colombiano estreia no país onde foi criado sob forte comoção, decerto inspirando expectativas um tanto arriscadas no que diz respeito à excelência do que tem a mostrar. Filho de Gabriel García Márquez (1927-2014), o diretor, da mesma forma que o pai, reúne em seu portfólio, entre cinema e televisão, dezenas de trabalhos em que vai fundo nas excentricidades da alma humana, conseguindo muitas vezes efeitos improváveis, e no caso deste longa, é inconteste seu ímpeto de superar seu desempenho em obras-primas feito “Quatro Dias Com Ela (2020)”, no qual usa de cru realismo ao mergulhar na angústia de uma mãe que se esmera para ajudar a filha a sair do inferno das drogas.

Leo, o patriarca de um clã numeroso, abusa do vinho escutando um bolero onde alguém canta a solidão de um homem experiente e amargurado. Ele começa a perambular pela casa, vendo gente onde existe apenas silêncio e penumbra, até que vai dormir e encontra a mulher, queixando-se do frio, ao que ele responde que ela deveria trazer suas roupas de uma vez por todas, que há espaço no guarda-roupa. Sutil, o texto de García e Bárbara Colio, insinua uma separação próxima, deixando claro que este não é o primeiro casamento de Leo, cujo intérprete absorve à perfeição os anseios do diretor e coloca o personagem no lugar exato entre a melancolia e a esperança, o amor universal e uma silenciosa misantropia, que tenta abafar a todo custo.

Daniel Giménez Cacho segue mostrando por que é um dos maiores atores de sua geração; como em “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades”, Cacho personifica muitas das neuroses não apenas do gênero humano mas do macho latino, que estar sempre a postos, munindo sua família de tudo, alimento, moradia, consolo espiritual, refúgio para os dias de férias, sensação que lhe recrudesce por ser pai de filhas mulheres e de um adolescente encantador, cuja síndrome de Down é pretexto para que o velho o infantilize. Quando se dá conta de que seus rebentos cresceram e têm de dar cabo de enroscos que ele não pode resolver, é colhido por uma crise existencial irremediável.

García usa a venda da centenária propriedade onde mora Leo e as filhas passaram boa parte dos momentos mais felizes de suas vidas para colocar na boca dos personagens diálogos quase nunca amenos, mas urgentes, ao abrigo da sombra das oliveiras, até que ele se dá mesmo conta de que está só — como todos ali, na verdade. 


Filme: Família
Direção: Rodrigo García
Ano: 2023
Gênero: Drama
Nota: 9/10