Desligue o cérebro, esqueça os problemas e assista à história de amor leve e bobinha que acaba de chegar à Netflix Divulgação / Netflix

Desligue o cérebro, esqueça os problemas e assista à história de amor leve e bobinha que acaba de chegar à Netflix

Para muita gente, o casamento parece a panaceia para todos os males da vida contemporânea, quando, na verdade, pode é trazer outros tantos, em especial naquelas circunstâncias em que o matrimônio não atende a nenhuma das questões para as quais foi pensado. “União Instável” chega a arranhar a superfície do problema, mas se perde em mil outras necessidades, a começar pela falsa urgência de ter de ser sempre engraçado, sempre leve, sempre fluido.

Com quase trinta anos de estrada, Sílvio Guindane tem quilometragem de sobra para tentar manobras um pouco menos conservadoras, mas prefere investir em certa abordagem que a indústria cinematográfica, sobretudo a do Brasil, diz ser adequada para temas assim “difíceis”, espinhosos, mas que precisam ser encarados, mesmo que obliquamente. O texto de Belise Mofeoli e Renato Fagundes repisa situações um tanto óbvias a atormentar a vida de um casal que experimenta o agridoce da paixão, mas também obrigado a tomar decisões cada vez mais penosas, equilibrando-se entre o desejo de vencer e a chama daquilo que não tem nome, ardendo calada no peito ferido desses amantes.

Não fácil acreditar que Alex e Eva venham a ter algum contratempo grave numa relação que levam sem atravancos de nenhuma ordem. Dispondo das benesses da juventude, da dádiva da beleza e das vantagens do dinheiro, os personagens de Dan Ferreira e Dandara Mariana integram um estrato diminuto de brasileiros privilegiados, tanto mais em se levando conta a cor de sua pele. Essa sim parece ter sido uma escolha consciente de Guindane, que reserva boa parte de seu filme, cujo elenco é majoritariamente negro, para explicar por que seus protagonistas não são um gari e uma empregada doméstica, por exemplo, trabalhadores dignos como quaisquer outros, mas que experimentam uma espécie de apartheid social, com salários sempre defasados e carga de afazeres mais e mais dura.

Na primeira cena, Alex surge diante de um imenso monitor de televisão, realizando os derradeiros ajustes no videogame que está desenvolvendo para uma gigante do entretenimento sediada em Londres. O jogo conta a história de um nerd que se apaixona por uma princesa, mas uma princesa diferente, “guerreira”, e nessa hora o diretor conduz a trama para o flashback que mostra os dois num resort na Bahia, ele comemorando uma promoção num trabalho de que não gosta; ela muito feliz num posto subalterno. Ele lê o nome dela na plaqueta afixada no uniforme, eles trocam uma ou duas palavras repletas de chavões melosos e quase cínicos — “sucesso de verdade é quando a gente faz o que gosta”, ela diz —, e a narrativa avança para o presente outra vez. A anti-heroína de Dandara tornou-se a dona do resort (num tempo curto demais para qualquer um, por mais trabalho que empenhe) e eles planejam contrair núpcias, com uma ressalva: Dan é muito mais afeito à ideia que Eva, que concorda quase como se quisesse apenas fazer um agrado ao companheiro.

No princípio do segundo ato, Guindane passa a urdir a reviravolta. Faltando exatas 33 horas para a cerimônia, Alex está em Veredinha, povoado a 296 quilômetros de Ilhéus. Bandeirinhas nas árvores indicam que o lugar é de festa e um “galo” canta tentando acordar o personagem de Ferreira. Ele desperta de um sono perturbado, e se depara com Beto, o amigo interpretado por Estevam Nabote, que o alerta sobre o adiantado da hora. Eles partem numa caminhonete alugada, que deveria ter sido devolvida no dia anterior, e tirando-se o desajuste da aritmética — cards coloridos informam que eles percorreram 93 quilômetros para chegar a Catolezinho, outro distrito ilheense, ao cabo de três horas de viagem —, Nabote oferece ao público bem-vindos respiros cômicos, enquanto Eva se martiriza tentando lembrar do que teria acontecido na noite da despedida de solteira, com direito a uma chantagem malresolvida no enredo.

O desfecho é de longe a único grande proveito que se faz do longa, com a notável conclusão de Eva a respeito da vital diferença entre amor e casamento, já explorada de várias e definitivas formas por Machado de Assis (1839-1908). No mais este parece ser o ano de Sílvio Guindane, mirando no que vê e acertando no que não enxergara, como atesta “Mussum, o Filmis” (2023).


Filme: União Instável
Direção: Sílvio Guindane
Ano: 2023
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 7/10