Na Netflix, o filme com Liam Neeson e Laurence Fishburne vai te deixar sem fôlego e com os olhos vidrados na tela por 103 minutos Divulgação / Envision Media Arts

Na Netflix, o filme com Liam Neeson e Laurence Fishburne vai te deixar sem fôlego e com os olhos vidrados na tela por 103 minutos

Poucos atores de Hollywood encarnam com tamanha magia a aura de anti-herói sisudo, mas carismático como Liam Neeson, e em “Ice Road”, adivinhem, ele continua muito confortável nesse seu mundinho. Neeson continua fazendo um filme atrás do outro, ainda hoje, e no longa de Jonathan Hensleigh, para não variar, o astro da franquia “Busca Implacável” e de “A Chamada” (2023), o trabalho mais recente, onde, dirigido por Nimród Antal, faz tudo quanto já nos acostumamos a vê-lo fazendo, com a graça de sempre.

Certo, Neeson se repete (muito), ou melhor, as histórias que escolhe protagonizar são, em essência, quase sempre as mesmas — o que não deixa de desdizer aquela máxima tola de Brecht —, mas em “Ice Road” sua composição de um caminhoneiro tragado meio sem querer para o centro de uma missão heroica dá um jeito de manter o espectador vidrado ao que se passa, mérito partilhado com o próprio Hensleigh e seu roteiro, tecnicamente impecável, ao qual Neeson e um elenco afinado vai dotando de emoções contraditórias, mas sempre verdadeiras.

No prólogo, um texto explica a agonia dos condutores dos monstruosos Kenworth, máquinas de quase trinta mil quilos que têm de atravessar as estradas de gelo a que o título faz referência, protegidas por apenas 75 centímetros. Se fica difícil confiar no que se lê, a edição de Douglas Crise trata de desfazer qualquer mal-entendido, e se detém sobre os imensos caminhos azul-petróleo, abertos em meio à neve ubíqua, que a fotografia de Tom Stern tornam ainda mais assustadores. Pouco depois, a explosão numa mina de diamantes em Manitonka, no extremo norte do Canadá, aprisiona mais de vinte homens, que, claro, começam a se digladiar à procura de um potencial culpado — nessa mesma sequência, Hensleigh dá uma pista robusta quanto ao que pode estar acontecendo, um delito levado a termo com a conivência de alguns mineiros, porém muito mais abjeto do que se imagina.

Enquanto os operários se consomem em discussões sobre os níveis de metano naquela atmosfera restrita e sufocante, enviam notícias do submundo para a superfície, esperam o moroso deslocamento dos aparelhos usados em resgates dessa natureza e a situação descai para o que Billy Wilder (1906-2002) registrou de forma definitiva em “A Montanha dos Sete Abutres” (1951), Mike McCann, o personagem de Neeson, segue fazendo seu trabalho, até que um incidente com Gurty, o irmão caçula, portador de graves limitações cognitivas depois de ter servido no Iraque, joga os dois na rua, outra vez. Embora numa participação um tanto breve, Marcus Thomas é, sem nenhuma dúvida, a alma da história, o que a justifica e o que a aproxima da poesia torta da matriz, “O Salário do Medo” (1953), de Henri-Georges Clouzot (1907-1977), baseado no livro homônimo de Georges Arnaud (1917-1987), publicado em 1949.

Uma manobra muito bem-calculada pelo diretor leva Mike a colaborar com o salvamento na mina, dada sua perícia no transporte de cargas pesadas em terrenos cheios de particularidades feito aquele. Hensleigh reserva para o terceiro ato as grandes reviravoltas do enredo, uma após a outra. À saída de cena de Gurty, se sucede o aparecimento de Tantoo, a garota indígena interpretada por Amber Midthunder, que também auxilia nas buscas — e com quem o protagonista vive um amor correspondido, mas nunca consumado —, e a revelação de um esquema de corrupção envolvendo funcionários da confiança do ministro O’Toole, de Paul Essiembre, que reconhece a importância de ter por perto sujeitos broncos, mas honrados. No fundo, é disso que “Ice Road” trata, com Liam Neeson mais afiado e contundente que uma picareta.


Filme: Ice Road
Direção: Jonathan Hensleigh
Ano: 2021
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 8/10