Filme que ganhou uma dezena de prêmios e foi aplaudido de pé nos cinemas, chega à Netflix Divulgação / Caramel Films

Filme que ganhou uma dezena de prêmios e foi aplaudido de pé nos cinemas, chega à Netflix

Segredos preservam vidas, mas ninguém resiste a uma vida feita de segredos. O misticismo mais prosaico recomenda cautela quanto à escolha do que se deve revelar e para quem, mas há uma classe de enigmas em que até os meandros mais obscuros que alguém pode conservar em si vêm à tona sem que se possa esboçar qualquer reação, e é essa uma das forças motrizes de “O Lugar da Esperança”, o drama cheio de guinadas ora surpreendentes em seu realismo, ora farsescas no modo como denuncia uma profunda chaga social, aparentemente sem solução, em todas as organizações humanas do globo.

Com delicadeza, mas de forma assertiva, Phyllida Lloyd lança uma mensagem de transcendência e apego ao que existe de mais comezinho no mundo, uma necessidade básica, mas negligenciada por razões sobrepostas, como se empilhadas para se chegar àquele objetivo. A escalada cansa, machuca, ultraja, nem sempre traz os resultados que se espera, e assim mesmo ainda consegue ser salvífica.

Lloyd está sempre abusando das luzes e, claro, das sombras a fim de conferir à história o tom ambivalente de beleza e perdição de todos os seus personagens, em maior ou menor grau. Numa tarde quente, duas meninas brincam num quintal amplo, mas tudo quanto se vislumbra são suas silhuetas em oposição à claridade, feito se a diretora quisesse desde já chamar a atenção do público para algum detalhe fundamental. Logo depois, uma das crianças acha mais divertido maquiar a mãe, que decerto intui um perigo tomando corpo.

O cotidiano estranhamente silencioso daquela casa é interrompido pelas perguntas da menor, Emma, intrigada com a mancha de nascença que a mãe tem sob o olho esquerdo. Sandra Kelly alude novamente a sua marca de Deus, por meio da qual Ele a distingue de todas as outras Sandras de Dublin. Essa é a última conversa amena que Sandra terá com Emma e a filha mais velha, Molly, de Molly McCann: Gary Mullen, o marido, interpretado por Ian Lloyd Anderson, chega desliza o rádio em que ouviam Sia, quer saber de Sandra por que ela escondia dinheiro no carro deles. Tem início a sessão de espancamento que, embora apenas sugerido depois de um ou dois golpes, deixa o espectador atônito. Sandra havia advertido Emma a procurar ajuda, valendo-se do código particular que só elas compreendiam, mas era tarde.

Nesse primeiríssimo segmento, Clare Dunne, Anderson e Ruby Rose O’Hara erguem o pilar que sustenta o enredo até o desfecho melancólico, brutal, a crônica de uma família desmoronando diante da ignomínia da violência doméstica. Lloyd entra no argumento central de seu trabalho com mais ímpeto no início do terceiro ato, momento em que a protagonista busca entre desesperada e confiante o lugar de esperança do título, e ainda que não o consiga, aprende a lição: nunca esperar das pessoas o que elas não têm para dar.


Filme: O Lugar da Esperança
Direção: Phyllida Lloyd
Ano: 2020
Gêneros: Drama/Thriller
Nota: 8/10