Melhor filme de Martin Scorsese, estrelado por Leonardo DiCaprio e Robert De Niro, está no Prime Video Divulgação / Apple Studios

Melhor filme de Martin Scorsese, estrelado por Leonardo DiCaprio e Robert De Niro, está no Prime Video

A etimologia da palavra genocídio é uma junção do grego “genos”, que se traduz como raça, e “cide”, que em latim significa matar. Embora ela faça parte do nosso vocabulário cotidiano, aparentando tão comum quanto ancestral, o termo só foi cunhado pela primeira vez em 1944 por Raphael Lemkin, em seu livro “Domínio do Eixo na Europa Ocupada”, em que ele descreve sua tese sobre o genocídio nazista contra minorias.

Genocídio é também o termo que usamos hoje para o projeto de eliminação dos povos originários dos territórios ocupados por europeus em todo continente americano e, certamente, é a palavra que Martin Scorsese, o maior cineasta vivo de nosso tempo, se refere ao assassinato dos povos Osage nos Estados Unidos em seu mais recente “Assassinos da Lua das Flores”, embora o termo sequer existisse quando os fatos reais que constituem essa história ocorreram. Scorsese usa a palavra para que possamos compreender de forma clara e óbvia de que as mortes retratadas se trataram, sim, de um genocídio.

Baseado no livro homônimo de David Grann, Scorsese, que lançou seu filme anterior “O Irlandês” em 2019, pela Netflix, já ambicionava realizar  “Assassinos da Lua das Flores” desde 2017, quando leu o livro e decidiu imediatamente que precisava trazê-lo para as telas. Scorsese procurou o chefe Standing Bear para ajudá-lo a convencer a nação Osage a auxiliá-lo na realização do filme. A presença de Robert De Niro no elenco já havia sido cogitada desde o começo do projeto, em 2017, mas só foi confirmada oficialmente em 2019. Por conta da pandemia de Covid-19, a produção foi congelada e só pode dar sequência quando as atividades normalizaram.

O enredo é ambientado na década de 1920, em Oklahoma. No livro de Grann, o foco é na criação do Federal Bureau of Investigations, o FBI, e seu primeiro caso: dezenas de assassinatos não solucionados de indígenas Osage em Fairfax. Já Scorsese sentiu, após conhecer a nação, que precisava virar o enfoque. O filme precisava ser sobre o povo, não o departamento de inteligência.

Contar essa história não foi uma tarefa fácil. Pelo contrário, ela é tão sensível que não poderia ter sido realizada de outra forma além da usada por Scorsese. Precisava da participação crucial da nação Osage como ponto de partida para a narrativa, porque Scorsese é um homem branco. Ou seja, a história não era sua. Ele precisou não apenas ganhar respaldo das comunidades indígenas, mas também não quebrar a confiança que haviam depositado nele.

Na tela, conhecemos Bill Hale (De Niro), autodenominado Rei, um patriarca rico e influente em Fairfax, que se proclama amigo dos indígenas. Quando seu sobrinho Ernest Burkhart (DiCaprio) retorna da Primeira Guerra como seu afilhado, garantindo abrigo e proteção do tio, ele se torna um peão essencial no tabuleiro de Hale, que ambiciona não apenas o dinheiro e as joias dos indígenas, mas seu território encharcado de petróleo.

Quando os Osage foram deslocados para as terras de Oklahoma em 1870, ninguém imaginava que aquela terra seca e pedregosa guardava uma imensa reserva de petróleo, descoberta em meados de 1920. Os Osage ficaram ricos da noite para o dia, mas o Estado logo se encarregou de espoliar sua fortuna, os declarando incapazes de gerenciar os próprios bens e nomeando um tutor branco para administrar cada conta. Um sistema criado para que os brancos pudessem desviar milhões de dólares pertencentes aos indígenas.

Bill Hale, como um dos líderes da cidade, levou médicos, escolas e outros “benefícios” para os Osage para se passar por alguém de confiança e amigo da nação. Enquanto isso, praticava suborno, intimidação, extorsão, além de planejar e executar uma série de assassinatos, que tinham como intuito final tomar o controle completo dos direitos da exploração do petróleo na reserva indígena.

Seu sobrinho Ernest, um homem intelectualmente e emocionalmente fraco, foi peça fundamental para colocar seu plano em prática. Ele se casou com Molly, uma indígena com uma boa herança, e orquestrou com seu tio a morte sistemática de toda sua família. Mas foi Molly, que debilitada por uma diabetes, conseguiu se encontrar o presidente Calvin Coolidge para denunciar os assassinatos dos Osage e a morosidade da polícia em solucionar os casos. Graças ao encontro, o FBI foi incumbido das investigações que solucionaram as mortes.

O maior dos méritos desse filme é a inteligência, sensibilidade e habilidade de Martin Scorsese em contar uma história melindrosa de forma respeitável. O cineasta utiliza de sua posição privilegiada para falar em defesa dos povos indígenas, mas sem sua voz jamais sobrepor a deles. Discursos de líderes Osage usados no filme não faziam parte do script, foram espontâneos e de coração. Scorsese os manteve, pois sabia quem deveria levantar sua voz no filme.

As atuações de Robert De Niro, Leonardo DiCaprio e Lily Gladstone são impecáveis, meticulosas, magistrais. O filme é tecnicamente perfeito e deve render a Scorsese algumas indicações ao Oscar. No entanto, a maior recompensa é poder finalmente desatar alguns nós da garganta e soltar a voz para um tema sempre negligenciado: o genocídio dos povos indígenas.


Filme: Assassinos da Lua das Flores
Direção: Martin Scorsese
Ano: 2023
Gênero: Drama/Policial/História
Nota: 10