Pode tardar, mas sempre chega a hora em que meninos precisam se tornar homens, sobretudo nas circunstâncias de adversidade perene e obstinada que fazem da pobreza uma zona especialmente brumosa na vida de alguém. Há quem nasça num lar tão pobre que deixa-se entorpecer por esse estado, como se toda a sua história já viesse previamente escrita, e o final não lhe reservasse diferença alguma sobre o que se viu no início. Mas também existem aqueles que nunca chegam a ser capazes de tolerar pela vida afora todas as vergonhas que a privação traz, ainda que esse ímpeto por reaver o que deveria ter sido sempre nosso só aflore mesmo numa quando a oportunidade atira-se-nos na frente. O protagonista de “Cripto Boy” passa por este momento, de cólera que gera reação, que puxa mudança, que por seu turno degringola numa outra abordagem sobre o que é a vida e as coisas que ela tenta nos ensinar. Shady El-Hamus entende como poucos o que é sentir-se um estranho em sua própria casa. Holandês de origem egípcia, o diretor dá a impressão de estar muito à vontade no comando de uma história que cerca gente como ele, mais vulnerável às falsas alegrias da sorte vestida de desgraça.
Um tônico capilar resolve inseguranças quanto à virilidade? Pelos faciais revelam a testosterona escondida, e testosterona é um indício de sucesso — ou um caminho a fim de alcançá-lo. O talento para vendas de Amir El-Neni só é superado por sua vontade de subir, e Shahine El-Hamus capta à perfeição a essência doce e predadora de seu anti-herói, já esgotado de entregar tortilhas e nachos para o restaurante do pai, Omar, de Sabri Saad El-Hamus. O Burrito nunca foi propriamente um modelo de negócio, mas de algum tempo para cá, parece que a casa vai mesmo a baixo, a despeito do empenho de Jetty, a balconista-gerente vivida por Manoushka Zeegelaar Breeveld. Para piorar, uma megaincorporadora não tem dado sossego aos moradores e comerciantes, ávida por comprar o quarteirão e erguer ali um complexo de lojas descoladas, tudo o que o espírito de Omar não consegue ser. O roteiro de El-Hamus e Jeroen Scholten van Aschat retrocede a 2018, quando a estação central de Amsterdã é palco de um atentado que resulta numa assumida campanha contra o turismo, liquidando de vez qualquer chance de redenção para pequenos empresários no vermelho. É aí que o diretor introduz o mote central de sua história, e Amir, depois de uma entrega, se depara com seu salvador. El-Hamus leva a história para o centro de uma bem-elaborada crônica sobre as perigosas facilidades da economia contemporânea, remetendo a “O Lobo de Wall Street” (2013), de Martin Scorsese, mas muito menos pretensioso. A palestra de Roy, de Minne Koole, a que Amir assistira por acaso promete iluminar sua vida; contudo, uma reviravolta algo previsível deixa tudo muito, muito mais soturno.
Shahine El-Hamus e Koole protagonizam sequências plenas de violência e ritmo na iminência do desfecho, mas o diretor prefere conduzir seu longa para um final feliz algo farsesca, com direito a jogo do Real Madrid e “Nour El Ain”, de Amr Diab, ao fundo. O que era um filme sobre pirâmide financeira vira um pastiche de novela do começo do século, quando todos os personagens se reúnem na derradeira cena e os créditos, já não era sem tempo, sobem.
Filme: Cripto Boy
Direção: Shady El-Hamus
Ano: 2023
Gêneros: Drama
Nota: 7/10