Digno de Oscar e aplaudido de pé, drama da Netflix é o filme mais subestimado da última década Mark de Blok / Levitate Film

Digno de Oscar e aplaudido de pé, drama da Netflix é o filme mais subestimado da última década

Em “Uma Breve História da Humanidade”, publicado em 2011, o historiador israelense Yuval Noah Harari defende que o homo sapiens só subiu tão alto na escala evolutiva graças à capacidade de partilhar informação a respeito dos assuntos mais prosaicos, como os melhores bosques da floresta para se caçar ou que alimentos poderíamos ou não ingerir sem correr o risco de morrermos intoxicados, por exemplo. E esse conhecimento sobre tudo o que existe de relevante, impossível aos outros animais, não seria nada se não viesse acompanhado do aprimoramento da força bruta. Talvez filmes de guerra sigam encantando o público por seu caráter realista, em que por meio de um fato histórico — acontecido nem faz tanto tempo assim —, se conhece um pouco mais a fragilidade do gênero humano, sempre envolto em disputas de poder. Esse é um dos trunfos de “A Batalha Esquecida”.

No que concerne à Holanda, a participação do país na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) revela-se em detalhes mais intimistas graças ao filme do diretor holandês Matthijs van Heijningen Jr. Lançado em 2020, uma das produções cuja estreia se deu no rastro da eclosão da pandemia de covid-19, “A Batalha Esquecida”, como “Dunkirk” (2017), de Christopher Nolan, também se debruça sobre um episódio pouco documentado e nada transparente no que toca às pelejas bélicas que abriram sulcos definitivos na concisa novíssima jornada do homem, dado o tempo por que se estenderam.

No transcurso de seis anos, Eixo e Aliados se bateram numa guerra que parecia fadada à eternidade, mas para a qual, felizmente, vislumbrou-se uma chance palpável de epílogo alvissareiro a partir de 6 de junho de 1944, com a invasão da Normandia, no norte da França. A Operação Overlord, ou Operação Netuno, mais conhecida como o Dia D, foi o maior ataque por mar de que se tem notícia.

A manobra ensejou a libertação de imensas áreas ocupadas ao longo do noroeste Europeu, sob controle dos alemães, e foi o que de fato tornou crível a vitória dos Aliados na Frente Ocidental. Com a empreitada corajosa do imenso batalhão antinazista — composto por Estados Unidos, Reino Unido e França, mas representados no evento por 24 mil praças e oficiais americanos, britânicos e canadenses que entraram em combate pouco depois da meia-noite —, Alemanha, Itália e Japão, nessa ordem, pagariam pela humilhação ao exército aliado em Dunquerque em maio de 1940, quando encurralaram quase 400 mil homens do efetivo adversário numa praia também no norte francês. Agora, o Eixo era a presa, e os aliados, remoendo quatro anos de opróbrio, não deixariam barato a ousadia.

No introito do filme, o espectador é apresentado a uma arte na qual se vê um mapa, pedagogismo que se poderia dispensar. Por meio dessa representação gráfica, quem assiste tem uma noção mais cristalina a respeito dos conflitos para libertar Antuérpia, a maior cidade da região belga de Flandres, na foz do rio Escalda, por onde desembarcaram as tropas que expulsariam o exército de Adolf Hitler (1889-1945) da Holanda, um dos marcos do término da guerra. Soldados do Canadá começam a tomar territórios antes dominados por Hitler em solo holandês, fazendo com que os nazistas ficassem sem alternativa a não ser renderem-se. A operação, todavia, foi complexa, uma vez que os guerreiros aliados canadenses não conseguiram penetrar na Antuérpia tão facilmente quanto supunham.

“A Batalha Esquecida” mistura de propósito trechos extremamente verossímeis com passagens ficcionais, que servem a retratar os tantos dramas íntimos de personagens até hoje sem rosto para a História. A fim de evitar alguma incoerência narrativa, até esperáveis numa trama como essa, Van Heijningen Jr. escolheu rodar o filme na Lituânia, onde ainda há cenários com poder de sugestão vigorosos o bastante quanto a se fazer acreditar que se está mesmo diante de uma Europa em guerra, ainda em meados dos anos 1940.

O roteiro de Paula van der Oest impressiona pela lembrança de acontecimentos como os vistos em “O Resgate do Soldado Ryan” (1999), de Steven Spielberg. A visão feminina sobre a guerra — essa uma das genuínas novidades em “A Batalha Esquecida”, uma vez que produções dos Países Baixos voltadas ao gênero são, em algum grau, frequentes, como se denota em “O Banqueiro da Resistência” (2018), de Joram Lürsen, e “Riphagen” (2016), dirigido por Pieter Kuijpers, mas sempre estreladas por homens, e que, admita-se ou não, defendem perspectivas masculinas — confere ao longa o devido frescor. Van der Oest expõe um trabalho inventivo ao mesmo tempo em que preserva a natureza documental do que tem em mãos.

O resultado é uma história sutil, sem deixar de ser forte, em que prevalecem aspectos invisíveis a olho nu para diretores de gênio, homens, como a fineza ao desenvolver os elementos conflituosos na nova rotina de um jovem holandês, simpatizante da causa aliada, que se esconde a fim de não ser convocado a lutar pelo lado dos nazistas — no que é ajudado pelo pai, Visser, o médico mais experiente das redondezas, vivido pelo belga Jan Bijvoet. Visser arrisca tudo pelo filho, mas seu amor de pai e o empenho por salvá-lo parecem insignificantes frente à barbárie abominável de uma guerra.

“A Batalha Esquecida” é mais uma das tantas e tão lindas peças que acusam o horror por trás de homens que se levantam em armas uns contra os outros, seja em que contexto for. E uma homenagem a quem, valendo-se de suas fraquezas, soube ser indestrutível.


Filme: A Batalha Esquecida
Direção: Matthijs van Heijningen Jr.
Ano: 2020
Gêneros: Guerra/Drama
Nota: 9/10