Cotado para o Oscar: a crítica amou este tesouro chileno que acaba de estrear na Netflix Divulgação / Quijote Films

Cotado para o Oscar: a crítica amou este tesouro chileno que acaba de estrear na Netflix

Se há dúvidas dos motivos pelos quais muitas vítimas de violência sexual demoram para denunciar ou sequer relatam o ocorrido para as autoridades, “Blanquita” explica muito bem. Filme de Fernando Guzzoni baseado em fatos reais, o longa-metragem gira em torno de uma garota (Laura López) que passou por lares adotivos, viveu nas ruas e sofreu diversos abusos. Motivada por padre Manuel (Alejandro Goic), um assistente social que cuida de adolescentes problemáticos e socialmente vulneráveis, ela decide denunciar seu suposto sequestro e estupro por um grupo de empresários e políticos.

Laura López, um rosto desconhecido para praticamente todos nós, está simplesmente brilhante neste thriller dramático que se arrasta lenta e angustiantemente enquanto sua personagem, Blanquita, enfrenta o tribunal de Justiça, o midiático e o popular para provar que foi vítima de estupro por parte de homens poderosos. Após uma série  de exames de corpo e delito, testes neurológicos e comportamentais, horas e horas de testemunhos e interrogatórios, Blanquita está avalizada por profissionais que acreditam que ela está falando a verdade.

Os detalhes expostos pela garota sobre a casa do empresário onde os crimes aconteceram, características físicas de partes íntimas dos estupradores, além de outros fatos inquestionáveis deveriam ser, mas não foram, considerados suficientemente sólidos para incriminar todos os envolvidos. Alguns exageros e equívocos, além de vídeos de Blanquita com seu ex-namorado, sim, foram mais que suficientes para descredibilizar seus depoimentos.

Um amigo de Blanquita, Carlos, que também teria sido vítima do mesmo grupo, é impedido de testemunhar, por ter desenvolvido problemas cognitivos por conta da alta exposição às drogas. Os dois, além de Padre Manuel, são perseguidos por uma caminhonete que dispara contra eles. Embora nenhum tiro tenha os atingido, fica claro que as tentativas de silenciamento são inúmeras e não vão ceder tão facilmente. Enquanto isso, a pressão sobre Blanquita aumenta e, claro, qualquer oportunidade de tentar desmoralizá-la será usada.

O filme de Guzzoni desperta muita revolta, tristeza e angústia. Diante da situação, é até compreensível que tantos jovens procurem saídas por meio das drogas e da violência. Quando não se conhece o amor, quando se é desprezado, abusado e violentado desde criança, é difícil compreender que há outras formas de viver. Mas o filme de Guzzoni é um grito dentro do abismo. Submissão ao Oscar de melhor filme internacional pelo Chile, em 2022, “Blanquita” é uma reflexão necessária. Não apenas por expor o massacre moral praticado contra vítimas de violência sexual quando decidem denunciar, mas também por questionar até que ponto uma mentira para se fazer justiça é aceitável. O próprio filme responde à última questão, mostrando que estamos mais prontos para condenar vítimas que cometem deslizes de verdade que seus perpetradores, homens inescrupulosos e que usam suas posições de autoridade para praticar todo tipo de atrocidade.

Na vida real, dos 14 acusados no caso Spiniak, apenas cinco foram condenados. O empresário que leva o nome do caso recebeu uma pena de 12 anos de prisão por abuso sexual contra menores, em 2014, mas devido ao seu bom comportamento na cadeia, foi solto em 2016.


Filme: Blanquita
Direção: Fernando Guzzoni
Ano: 2022
Gênero: Thriller/Drama/Policial
Nota: 9/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.