Feitas as devidas reservas, não é fácil para ninguém tornar verossímil uma história da natureza de “Amor e Monstros”, que é, como diz o próprio título, a união quase milagrosa de tópicos que interessam a públicos diversos entre si. Michael Matthews galvaniza essas duas expectativas, olhando ora para um lado, ora para o outro, feito se quisesse atravessar uma larga avenida movimentada, sabendo dos riscos de um e do outro terreno, mas a cautela também sabe ceder lugar ao arrojo, e quando menos espera, quem assiste tem diante de si um grandioso espetáculo de sequências perturbadoramente ágeis, temperadas com a emoção do típico herói perdido num mundo em que não mais se reconhece, de outras violências, com as quais ainda não consegue lidar. O texto de Brian Duffield e Matthew Robinson oscila entre os universos antagônicos que um garoto cheio de dúvidas é obrigado a desbravar à proporção que nota-se seu amadurecimento, sua evolução, movido, claro, por razões que a própria razão desconhece. Esse motivo, familiar a quase todo mundo, é o que explica a tal mágica, tornada real do jeito mais convincente possível.
Matthews repisa a extinção do gênero humano falando de centopeias gigantes, caracóis titânicos e lesmas quilométricas que exterminaram 95% da população mundial. Essas criaturas medonhas se apossaram do planeta devido a uma mutação genética quando da explosão um asteroide na superfície terrestre, e o que resta da humanidade tem de sujeitar-se a viver enclausurada em bunkers, a salvo, mas por completo oprimida. Joel Dawson, morador de um desses espaços, é o responsável pela manutenção da área. Ao conseguir fazer contato via rádio com uma antiga namorada, Aimee, que habita uma colônia a 135 km de distância, Joel resolve aventurar-se à procura da moça, mesmo sabendo que pode não sobreviver fora da bolha. Dylan O’Brien responde pelo cômico e o trágico de “Amor e Monstros”. Usando a aparência delicada a seu favor, O’Brien, então aos 29 anos, magnetiza todos os olhares na pele de um rapaz irrequieto, impulsivo, obsesso pela vontade suicida de concluir o que se torna a missão que justifica sua vida (ou o que sobra dela). A saga de Joel começa tentando obter o beneplácito da família com que passa a viver, como o cozinheiro de uma turma de brucutus, guerreiros do apocalipse com o velho pendor a conquistas sexuais que fazem questão de alardear. É desaconselhado — ao menos para isso eles servem —, mas vai assim mesmo, dispondo da fiel companhia de Boy, o kelpie australiano cor de chocolate “interpretado” por dois cães, Hero e Dodge, a quem o diretor confia uma surpresa no meio da trama. O feitio propriamente romântico do filme vem com o desempenho de Jessica Henwick, que encarna com denodo a figura da mocinha que, a exemplo do personagem de O’Brien, acredita muito mais no que não se vê do que nos mutantes repulsivos que tiranizam aquela pobre gente. O amor é só bom se for ousado.
Filme: Amor e Monstros
Direção: Michael Matthews
Ano: 2020
Gêneros: Comédia/Ficção científica/Coming-of-age
Nota: 8/10