Sonhos são das poucas manifestações verdadeiramente genuínas no espírito do homem, das quais nunca se afasta — pelo menos não sem um bom travo de frustração, ao cabo de alguma relutância —, sem as quais não consegue sentir-se pleno e que se mantêm cada vez mais vigorosas a despeito do passar dos anos. Sally El Hosaini faz de “As Nadadoras” a epopeia real de duas heroínas à procura de um lugar no mundo onde possam alcançar a meta que as une, até que a vida, como costuma acontecer, embaralha as cartas de modo definitivo. Leva-se muito tempo até que se tenha suficientemente clara a utilidade de um sonho — às vezes a vida toda —, mas no momento em que restam dissipadas as maiores névoas de vacilação, é quase impossível suportar qualquer argumento razoável, por mais convincente que pareça: atropelamos nossos brios mil vezes se preciso, desde que se nos anuncie a mínima chance dos planos acalentados desde eras imemoriais darem certo. Foi de sonhos quase delirantes que Sara e Yusra Mardini se abasteceram de força para seguir por essa estrada não sabiam se comprida ou muito breve, mas pedregosa, lodacenta, repleta de meandros indesejáveis, pela qual haveriam de se perder muitas vezes antes de, finalmente, se encontrar.
As irmãs Mardini, duas refugiadas da guerra civil na Síria, decidem embarcar rumo ao maior sonho de suas vidas, sem figura de linguagem. Junto com Jack Thorne, El Hosaini conta a história verídica de Sara e Yusra, que em 2015 resolvem deixar o subúrbio de Damasco visando a participar dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, no ano seguinte. Nadadoras profissionais e forjadas pelo espírito de perene competição desde tenra idade por Ezzat, o pai, papel de Ali Suliman, as personagens de Manal e Nathalie Issa — que dividem o centro do roteiro de Thorne e El Hosaini até mais da metade dos 135 minutos de filme, quando a Yusra de Nathalie encampa uma guinada corajosa na trama e, por evidente, na própria vida —, são mostradas nas circunstâncias mais difíceis, da caminhada extenuante pela divisa dos territórios sírio e turco, dependendo dos famigerados coiotes, à arriscada travessia do mar Mediterrâneo rumo à ilha de Lesbos, na Grécia, de onde, novamente, partem, desta vez para a Alemanha.
A chegada a Berlim, ponto alto da narrativa, é marcada por bem levadas cenas em que as garotas são vítimas de injúria racial, do fantasma da mendicância sempre à espreita e de uma tentativa de estupro, sem contar, claro, o inferno num bote de lona superlotado, que resiste por pouco. O encontro com o treinador Sven, participação decisiva de Matthias Schweighöfer, encaminha a história para o desfecho comovedor, de que se apreende uma separação algo traumática das irmãs Mardini — cada uma forte a sua maneira —, objetivo da trilha sonora cheia de hits-chiclete.
Filme: As Nadadoras
Direção: Sally El Hosaini
Ano: 2022
Gêneros: Drama/Esporte
Nota: 9/10