Nova comédia romântica da Netflix é um brinde ao final de semana Divulgação / Netflix

Nova comédia romântica da Netflix é um brinde ao final de semana

Se o sentimento amoroso resiste ao tempo é algo que só se pode responder, claro, depois que os anos passem. A estranheza que nos colhe a todos quando diante de emoções que nos atiram à inadequação para com o mundo e nossos princípios, a vontade de transformar tudo quanto já existe, sem muita ideia de por onde começar — e, o principal, de que jeito —, o constante estado de poesia, quase um delírio que vai-nos tomando até não se possa admitir a vida de outro jeito, são algumas das impressões que os turcos Evren Karabiyik Günaydin e Murat Saraçoglu exploram em “Amor em Foco”, uma trama em que, por óbvio, a mais humana das emoções é a protagonista, mas tem de sujeitar-se a uma interferência meio descabida. É verdade que o amor é bastante draconiano em seus caprichos, mas existem aqueles relacionamentos que são cercados de idiossincrasias tão únicas que acaba sendo necessário derrubar imensas barreiras, invisíveis, mas sólidas, para que a felicidade pudesse, enfim, instalar-se. O roteiro de Selen Baĝci elabora esse tropo sob o ponto de vista de duas velhinhas nada ingênuas, que junto com a meiguice personificam também a experiência que autoriza-lhes dizer que certas decisões não admitem ser engambeladas pelo frenesi da rotina, dos almoços de negócios e das agendas sem espaço, atulhadas de compromissos. Que uma vida é curta demais para o amor.

Uma tomada aérea do litoral mostra um carro vermelho cruzando o alcantil de um monte, quando uma moto o ultrapassa numa manobra pouco cortês. Numa sequência de abertura que sem dúvida captura a atenção de quem assiste, Günaydin e Saraçoglu já avança para um cenário muito diferente, com uma mulher e um homem invadindo a casa de uma senhora respeitável, que chega acompanhada de uma amiga também idosa. Como já se pode inferir, os forasteiros são os dois motoristas que quase se envolveram no acidente da cena anterior, e os diretores fazem bom uso do gancho oferecido por Baĝci, aproveitando bem a presença das veteranas Yildiz Kültür e Zerrin Sümer como respiro cômico, aqui de forma mais incisiva e eficaz que no restante do filme. Sahra e Deniz, os netos desnaturados que só visitam as avós se elas já estiverem nas últimas (ou ainda depois), reúnem-se primeiro por acaso, mas conforme as anfitriãs se dão conta de que precisam mexer os pauzinhos se quiserem que eles se acertem de uma vez por todas, a narrativa envereda para o âmbito da romcom mais assertivamente, com os mocinhos de Ayça Ayşin Turan, uma publicitária em apuros com a nova campanha, e Ekin Koç, um fotógrafo badalado, mas arredio, forçados a orbitar no mesmo universo. Os diretores remoem com uma insistência meio enfarosa o mal-entendido de adolescência que separou os protagonistas, ao passo que não explica a natureza do conflito ético que agora pauta a relação dos dois, que tornam-se colegas de trabalho graças a um imprevisto que, naturalmente, joga no colo de Deniz a cobertura fotográfica do ensaio. Na undécima hora, a justificativa que se encontra é a aposta que Sahra havia feito com Kerem, o vilão possível de Kemal Okan Özkan, quanto a ser promovida a editora-chefe da revista “Intense Men”.

“Amor em Foco” lembra um manifesto feminista meio arrependido, onde mulheres começam ávidas por reconhecimento e poder, mas entregam-se a uma ideia romanceada de vida a dois. Vale pelas locações deslumbrantes, de preferência num momento de dolce far niente.


Filme: Amor em Foco
Direção: Evren Karabiyik Günaydin e Murat Saraçoglu
Ano: 2023
Gêneros: Comédia romântica
Nota: 7/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.