Suspense psicológico que acabou de estrear na Netflix é um dos filmes mais vistos da atualidade em 90 países Martijn van Gelder / Millstreet Films

Suspense psicológico que acabou de estrear na Netflix é um dos filmes mais vistos da atualidade em 90 países

Para muito além sobre de que lado da cama se vai dormir, casamentos implicam deliberar acerca de quase tudo, inclusive — ou principalmente — quando se trata de saber onde podem levar as loucuras à primeira vista ingênuas pelas quais um ou outro se encanta. Já no título, “Fiéis” ilude o espectador, induzindo-o a pensar que vai se defrontar com casais empenhados em fazer prosperar seu relacionamento mediante a reflexão quanto à postura a ser adotada naquelas circunstâncias em que a razão torna-se uma inimiga figadal cuja suave presença logo degenera num aziúme invencível, que se entranha nas paredes e eiva tudo de tédio e maldade, combatidos com o remédio mais prosaico e mais enganoso, capaz de arruinar de uma vez por todas qualquer ilusão de felicidade.

Chega o momento em que o mentiroso é castigado com a indiferença, a indiferença degringola em neurose, e então o caos se instala. E em já nas primeiras sequências de seu filme, o holandês André van Duren esmera-se em deixar claro que a história que conta é, sim, uma espiral de situações tão desconfortáveis quanto avessas a quaisquer previsões, como a imensidão perigosa do mar. Van Duren vai dispondo o roteiro, escrito com Elisabeth Lodeizen e Paul Jan Nelissen, de imagens aparentemente faltas de sentido, mas que juntas contribuem para que se erija a base do argumento central. Toda a poesia da introdução vai cedendo espaço a um cinismo que se desvela aos olhos do público, como na audiência de divórcio conduzida por Bodil Backer, a respeitável juíza de Bracha van Doesburgh, cuja intimidade oferece um contraponto a retidão que lhe exige o ofício. O diretor é habil em esconder a frustração essencial de sua anti-heroína, e enquanto tudo permanece no terreno pantanoso das elucubrações, Bodil planeja uma “viagem de mulheres”, durante a qual irá, ao que parece, só comparecer a uma palestra e assistir a uma peça de teatro — e cada um desses programas guarda uma surpresa. Sua consorte na aventura será Isabel Luijten, a pacata dona de casa vivida por Elise Schaap, que a personagem de Van Doesburgh quer a todo custo resgatar do horror da vida doméstica.

Nas poucas vezes em que aparecem, os homens são relegados ao infame papel de meros títeres das esposas, e é precisamente nesse limbo de frouxidão moral e degenerescência do sentimento que Van Duren opera, fazendo uma aposta nos chavões que dobra a seu talante. Ainda no segundo ato, explica-se o procedimento que faculta às duas amigas transitar pelas praias e boates de um lugar desconhecido com a liberdade que julgam inabalável. À medida que o desfecho se avizinha, quem assiste sabe, enfim, que Bodil e Isabel, nessa ordem, não são tão espertas quanto pensavam; antes, a narrativa gira em torno da estratégia pensada por Isabel para ver-se livre de Luuk, o marido interpretado por Gijs Naber, que não tem ideia do quanto a mulher o repele. A solução ex machina de que o diretor lança mão para fechar esse arco reforça preconceitos sobre a debilidade do casamento heterossexual e monogâmico, ainda que o resultado, sob a ótica dramatúrgica, agrade.


Filme: Fiéis
Direção: André van Duren
Ano: 2022
Gêneros: Thriller/Mistério
Nota: 8/10