Desligue o cérebro e puxe o gatilho, filme de ação na Netflix é um dos mais vistos do mundo na atualidade

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A abertura de “O Atirador: O Extermínio Final” é, para dizer o mínimo, contraditória. Uma das metades da sequência inicial do filme de Claudio Fäh sugere um ambiente de sossego, em que, sob o fundo da ária escolhida por Frederik Wiedmann, se desenrolam cenas de um cotidiano doméstico que mostram uma mulher aprontar-se com esmero para entrar na banheira, onde um homem já aguarda por ela. O que resta da introdução é preenchido com imagens que se adequam melhor ao enredo: a mira de um fuzil corre a tela à procura do alvo, também vinculado àquela mulher. Lamentavelmente, Fäh abandona rápido a sutileza algo nonsense do prólogo e começa a voltar a bateria para o argumento central, momento em que passa a apresentar os personagens e que lugar ocupam na trama. Brandon Beckett, o mais importante deles, é um velho conhecido da audiência. O atirador de elite interpretado por Chad Michael Collins segue exercendo um dos ofícios mais ingratos da Terra, tentando manter-se vivo em praças que lhe são declaradamente hostis, ganhando para isso muito mais que um módico salário.

“O Atirador: O Extermínio Final” é o sétimo de uma série de oito filmes sobre a força de um ideal, que acaba por degringolar numa cornucópia de sentimentos confusos, paixões sem amor e, por fim, uma vingança cruenta. No primeiro deles, “O Atirador” (1993), Luis Llosa solta seus protagonistas no cenário de caos absoluto que junta rebeldes da América Central e os supostos heróis que os combatem, habilidosos artilheiros por trás das máquinas mortíferas que carregam diligentemente, como se disso dependesse sua própria sobrevivência — e depende mesmo. Transcorrido um quarto de século, o roteiro de Chris Hauty ainda se debruça sobre os conflitos éticos de quem precisa fazer da morte seu ganha-pão, dessa vez conduzindo seu protagonista para a Sede da Polícia Nacional colombiana, em Bogotá. A inspiração de grande parte dessas histórias remonta a obras-primas do gênero, já clássicos do cinema contemporâneo, a exemplo de “Sniper Americano” (2015), de Clint Eastwood, quiçá a leitura cinematográfica mais precisa quanto a elucubrar acerca do onipresente caos ontológico que encapsula a vida desses hospedeiros da insânia — sua e de todo um país — em seu estado mais fino. Homens como Beckett, à primeira vista tão fortes, estão sempre à mercê de variáveis cuja interferência não podem nunca determinar. E o medo é uma delas.

No texto de Hauty, os perigos de uma megalópole no coração da América do Sul tornam-se ainda mais inescapáveis no cenário de absoluto descontrole patrocinado pelo narcotráfico, mesmo depois de políticas públicas bem-sucedidas terem derrubado os índices de homicídios de oitenta por cem mil habitantes quando da estreia do primeiro filme, do peruano  Llosa, em 1993, para 24 por cem mil em 2017, ano de lançamento de “O Extermínio Final”, configurando uma queda de 70% e a menor taxa dessa modalidade criminal desde 1974. Assim mesmo, Fäh insiste em lançar mão de figuras como Jésus Morales, o mandachuva do submundo da capital da Colômbia vivido por Juan Sebastián Calero e um seu escudeiro nada consciencioso conhecido por Diabo, de Felipe Calero, alcunha já enfraquecida pelo clichê, sejamos francos. Esses tropeços são minimizados quando o diretor resolve abordar discussões estimulantes como a corrupção de menores, que toma parte numa gangue sugestivamente denominada A Família de Seis, e o machismo e a consequente tensão sexual a assolar os personagens de Collins e Danay García. A agente Kate Estrada de García, inicialmente embrutecida pelos trejeitos viris que foi adquirindo como calos ao longo de uma vida em meio a homens ou insossos ou repugnantes, vai cedendo aos encantos de Beckett até um clímax bastante razoável para um filme de tão poucas manobras estilísticas. De resto, “O Atirador: O Extermínio Final” é o mais do mesmo bem-feito, capaz de agradar aficionados pelo gênero com subtramas explosivas ao passo que serve de pretexto para que se reveja os outros números da série, muito mais instigantes.


Filme: O Atirador: O Extermínio Final
Direção: Claudio Fäh
Ano: 2017
Gêneros: Ação/Drama/Thriller
Nota: 7/10