O melhor filme de 2022 chegou à Netflix e você ainda não assistiu, mas deveria Rodrigo Jardon / Netflix

O melhor filme de 2022 chegou à Netflix e você ainda não assistiu, mas deveria

Fronteira é território dividido entre identidades opostas e misturadas de nações. Na cultura é quando um paradigma entra em confronto com sua superação. No cinema é a briga entre indústria e experimentalismo, entre concessão e ruptura. Godard reportou o limite do cinema, Alejandro González Iñárritu quebrou a linha divisória em “Bardo — Falsa Crônica de Algumas Verdades (2022, Netflix). Ele se joga na terra de ninguém vislumbrada além-fronteira. Estaria no México ancestral destruído pelo conquistador espanhol Hernán Cortés? Ou na nação que perdeu metade do seu território na guerra contra o invasor americano? Ou estaria na porção mexicana roubada pelos Estados Unidos?

Iñárritu baseia seu argumento num migrante como ele: o Elia Kazan de “Movidos pelo Ódio” (The Arrangement, 1969). Kazan já tinha abordado os conflitos do migrante desembarcando nos EUA em “América América”. Em “Movidos pelo Ódio” ele enfoca um migrante grego bem-sucedido (Kirk Douglas) que chega ao seu limite no auge do reconhecimento como publicitário. É Bardo total, com um jornalista mexicano (interpretado por Daniel Giménez Cacho) sendo premiado em Los Angeles e surtando antes da solenidade de premiação. O surrealismo usado por Kazan é repetido em “Bardo”.

Personagem que fala consigo mesmo, e observa sua imaginação tornada real na sua frente. Mas Kazan não está sozinho na fronteira vanguardista do cineasta mexicano. Iñárritu é um colecionar de mestres do cinema. A solidão do personagem é a mesma de “Paris, Texas”, de Wim Wenders; a epifania final na dança com os personagens é um reconhecido Fellini de “Oito e Meio”; a presença do jornalista na claridade vista depois de uma porta é o final de “Rastros de Ódio”, de John Ford; o arbusto solitário na paisagem nua é Ingmar Bergman.

Assim se faz um filme, que é sempre sobre cinema. Pois a obra cinematográfica reproduz a dicotomia da fronteira. São identidades em conflito, terreno da dúvida e do desafio, apego e liberdade dos indivíduos.

Iñárritu é um colecionador de grandes filmes. Mostra com transparência mais do que citações ou influências. Ele encarna o cinema que rompe seus limites e com isso ganha lucidez sobre sua profissão, seu país e sobre o próprio cinema, amadurecendo uma obra cheia de sucessos, mas que precisam ser relativizados para o autor entender com mais nitidez sua presença na terra e no tempo que lhe foi presenteado.


Filme: Bardo — Falsa Crônica de Algumas Verdades
Direção: Alejandro González Iñárritu
Ano: 2022
Gênero: Drama
Nota: 10/10