Você vai chorar: um dos filmes mais tristes da história do cinema está na Netflix e vai estraçalhar seu coração Divulgação / Miramax

Você vai chorar: um dos filmes mais tristes da história do cinema está na Netflix e vai estraçalhar seu coração

Sempre que uma criança perde sua inocência, a humanidade morre um pouco. Ainda na infância, o mundo vai se nos revelando um lugar surpreendentemente hostil, onde somos forçados a medir cada palavra e estudar todo gesto, sob pena de arcar com consequências pesadas demais para nossos ombros estreitos, onde flutua uma cabecinha deveras sonhadora. Já nos primeiros passos de uma jornada que pode ser longa demais, até para quem acredita que vai entregar os pontos no solavanco mais inofensivo, fica claro que estamos todos à mercê dos lobos travestidos de cordeiros que nos encurralam a todos impondo-nos a maldade invencível de feras tão silenciosas quanto coléricas à espera de um qualquer nosso desmazelo para dar o bote e retalhar-nos o corpo e a dignidade, fazendo com que nos sintamos muito menos gente que cobaias da vaidade e da prepotência alheias. O verdadeiramente maravilhoso de ser homem, compilado de falhas e vãs tentativas apontando para uma felicidade improvável, é pensarmos cada qual a seu modo acerca de assuntos os mais variados, exercício em que intelecto e espírito convergem para visões de mundo nem sempre harmoniosas entre si, mas complementares, que por seu turno abrem-nos muitas outras possibilidades quanto a absorver o caos da vida, rica e miserável em sua distópica inomogeneidade.

Situações extremas têm o condão de fazer com que meninos se tornem homens, mas no fundo sempre resta o candor que deixa tudo um pouco menos austero, por mais duvidoso — e mesmo inadequado — que pareça. A imaturidade da criança, sua franqueza arrebatadora diante de cenários com os quais adultos lidamos tão mal, sua facilidade em adaptar-se a conjunturas funestas, esses predicados que todos temos até certa altura da vida, são de grande valia naqueles momentos em que a realidade se apresenta como uma espécie de teste, fustigando-nos, cruel, até que não possamos mais suportar e nos rendamos, fazendo parte do novo e triste mundo que nos cerca. As ilusões de um garoto confrontadas com um súbito entendimento do que se passa ao seu redor, nada menos que uma guerra de dimensões internacionais, são muito bem desenhadas por Mark Herman em “O Menino do Pijama Listrado”, história que prima pelo realismo, mas que não esquece de exaltar o sonho, incansável nas palavras e nos gestos de gente miúda e esperta.

A personagem central da narrativa do irlandês John Boyne é a pureza, como se esse sentimento fosse mesmo apenas uma pálida lembrança para quem já celebrou mais de quinze aniversários. Herman absorve essa ideia à perfeição e opta por sempre insinuar um conflito entre quem fica com as impressões do real segundo sua própria sensibilidade e aqueles que não têm outra escolha senão acreditar no que seus olhos lhes mostram. No primeiro grupo, Bruno, o protagonista vivido por Asa Butterfield, passa boa parte da história como se numa bolha, mesmo depois que os fatos o desapontam. Mesmo que só um moleque de onze anos — Bruno é ainda mais novo, tem oito —, a interpretação de Butterfield é sensível o bastante para fixar-se em detalhes como um olhar quase sempre perdido, mirando o chão, o olhar de uma criança que, guiada pela intuição, sabe que alguma coisa de muito estranho acontece a sua volta. Essa coisa é o nazismo, que ele por óbvio não pode definir, mas cuja macabra natureza sente com nitidez. Seu pai, interpretado por David Thewlis, é um alto oficial de Hitler em plena Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e o deslocamento da família, de Berlim para uma propriedade no interior da Alemanha, se presta ao choque de realidade que determina os rumos da trama até o desfecho, quando Bruno experimenta uma vívida noção da agonia dos judeus ao lado de Shmuel, esse, sim, o verdadeiro menino do pijama listrado (que, claro, não é pijama), papel de igualmente jovem e igualmente intenso Jack Scanlon.


Filme: O Menino do Pijama Listrado
Direção: Mark Herman
Ano: 2008
Gênero: Drama
Nota: 8/10