Indicado a 10 Oscars, filme na Netflix, vai te proporcionar os 140 minutos mais belos da história do cinema Divulgação / 20th Century Fox

Indicado a 10 Oscars, filme na Netflix, vai te proporcionar os 140 minutos mais belos da história do cinema

O pânico do homem frente à decrepitude e ao fim da vida se faz presente na história desde o princípio dos tempos. Talvez para nos inspirar a todos, fiéis ou não, o “Gênesis”, no Antigo Testamento bíblico, conta a história de Matusalém, patriarca da humanidade e avô do célebre Noé, que teria vivido 969 anos. Como seria possível a Matusalém alcançar tal façanha, sonho e pesadelo de gente vaidosa e prudente, uma vez que não se sabia exatamente do que era feito o homem, enigma que se desvenda mais e mais graças a uma medicina moderna, arrojada, fundamentada em experimentos que levam anos para serem concluídos, é um mistério da fé. Em removendo-se todo o verniz eminentemente fantástico que as Sagradas Escrituras dão à narrativa, a verdade é que o homem de todas as épocas, como o vetusto personagem do “Gênesis”, sempre reivindicou sua cota de eternidade, e uma das formas de se vencer a morte é realizar grandes obras em vida. Para merecer ser lembrados quando já não estivermos neste mundo, nos lançamos às empresas mais improváveis, ansiando por um dia ter uma parcela da admiração de quem nunca iremos conhecer.

Essa sede de glória pauta a vida de qualquer um, embora nem todos se preocupem em fazer de sua jornada uma aventura digna de ser enaltecida pelos quatro cantos da Terra. Espíritos independentes, livres de verdade, não esperam pela aquiescência de quem quer que seja para fazer o que deve ser feito, e decerto é essa a chave que escancara todas as portas, a do mundano esplendor também. No mar proceloso que é viver cada homem se guia por suas próprias ideias, pelas necessidades íntimas que sente que têm de suprir no intuito de dar cabo de algumas das tantas expectativas acerca da vida, não obstante muitas, quiçá a maioria, nunca cheguem a se materializar. Existe uma infinidade de jeitos de se fazer a vida um pouco menos ordinária, e certamente burlar as regras que podam a criatividade e nos mantém ancorados no mesmo lugar sem que nos demos conta é o mais simples e o mais revolucionário de todos eles.

“Mestre dos Mares: O Lado Distante do Mundo” (2003) é uma sofisticada fábula sobre os instintos mais primitivos do gênero humano. Inspirado pela obra do romancista inglês Patrick O’Brian (1914-2000), Peter Weir exalta a coragem de lobos do mar, velhos e moços, graduados ou não, que se atiram a seus sonhos com avidez, como uma fera persegue sua presa. Weir não adorna seu filme com monstros submarinos como tubarões e cachalotes, e mesmo assim, a história não perde nada. Pelo contrário: a simplicidade da pena de O’Brian ao relatar a vida a bordo, reforçando o aspecto demasiado humano de seus personagens, é o grande trunfo do enredo, que o diretor faz questão de preservar.

Reconstituir as proezas de um capitão de mar e guerra da Marinha inglesa do princípio do século 19 exigiu de Weir, autor do roteiro com John Collee, atenção redobrada a aspectos de natureza técnica, o que rendeu ao filme os Oscars de Melhor Edição de Som, trabalho de uma equipe de quase sessenta profissionais, e Fotografia, a cargo de Russell Boyd. Detalhes imperceptíveis para olhos não treinados, mas que ajudam a dar vida ao Jack Aubrey interpretado por Russell Crowe e seu antípoda e amigo Stephen Maturin, de Paul Bettany. Se Aubrey, autoridade máxima do HMS Surprise, é um guerreiro destemido, mas cartesianamente limitado, quase agrilhoado a suas próprias idiossincrasias, Maturin, o médico do navio, é a encarnação do sonho. Dentre as tantas excelentes passagens que esquadrinham os reveses da vida em alto mar, até que Weir conduza seu filme para o enfrentamento ao francês Sirene, num tempo em que Napoleão era o senhor da Europa naquele distante abril de 1805 e só os marujos britânicos conseguiam oferecer-lhe resistência, o diretor encontra as oportunidades certas a fim de evidenciar as disparidades entre esses dois homens extraordinários, fazendo de “Mestre dos Mares” um tributo à grandeza de cada homem, seja da guerra, seja da ciência e toda a sua poesia.


Filme: Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo
Direção: Peter Weir
Ano: 2003
Gêneros: Drama/Aventura/Ação
Nota: 8/10