Novo filme da Netflix, com Charlize Theron e Kerry Washington, é o mais visto da atualidade em 100 países Helen Sloan / Netflix

Novo filme da Netflix, com Charlize Theron e Kerry Washington, é o mais visto da atualidade em 100 países

Estamos sós do berço ao túmulo, e os mais espertos compreendemos logo que é necessário nos empenharmos muito para fazer com que os momentos em que passamos na companhia de outras pessoas valham a pena. O aspecto eminentemente contraditório dessa evidência é que são recorrentes as situações nas quais não se percebe interesse algum de parte a parte, e a despeito da vontade atávica, ancestral e instintiva da fuga e do isolamento, persistimos no comportamento quase obsessivo de adequarmo-nos ao que esperam de nós, observando certas normas tácitas de conduta, esquecendo, ainda que apenas pelo tempo em que somos forçados a abdicar de nossas solidões, dos traumas, neuras e, claro, das deleitosas manias que fazem nosso cotidiano um pouquinho menos enfaroso. Nem tudo é só desespero, contudo; é difícil, mas sempre pode se dar o milagre de se deparar com alguém que assim, por acaso ou por destino, encontra na vida o mesmo prazer que nós, precisamente por se saber feito de outro barro. E isso tudo sem nem envolver o amor que se faz na cama.

A amizade é o amor feito em camas separadas, e como todo amor, tem seus rompantes de desalinho; os estampidos de uma guerra ora velada, ora proclamada com alarde; as brigas sem razão e as que efetivamente podem botar tudo a perder. Depois de algum tempo, do alto da maturidade que chega para cada um no momento adequado, cristaliza-se a verdade de que os vínculos que estreitamos ainda em tenra idade são os que apresentam mais chances de se manterem pelos desencontros da vida afora, malgrado, lamentavelmente, a própria vida se encarregue de desfazer esses laços assim que crescemos, o que só ratifica a ideia de que a amizade é mesmo uma força potente, que se bem conduzida, muda uma história, duas, transforma o mundo, se o deixarem. Quando mágica e as humanas vontades se unem, mesmo que pareçam condenadas a conviverem cada qual no seu círculo, como água e azeite, os sentimentos mais incongruentes entre si fundem-se em algo novo, indefinível, que se torna o grande segredo dos afetos que nunca se extinguem.

Tendo por pano de fundo uma história fantástica, um conto de fadas típico, mas antenado ao nosso tempo, Paul Feig constrói uma narrativa que fala às melhores lembranças do espectador, ao passo que não descuida de acrescentar suas próprias razões para ser apreciado. “A Escola do Bem e do Mal” (2022) tem o poder de remeter quem assiste às suas melhores experiências — vividas, por óbvio, na infância, o tempo mágico por excelência de todos nós. O roteiro, de Feig e David Magee, tem o condão de aumentar e contrair as possibilidades de um desfecho ou trágico ou cheio de eventos tolamente felizes, ambos os cenários muito oportunos para uma trama que faz questão de fugir da dureza cinzenta da realidade.

Cores, aliás, são o que não faltam neste filme, elenco tampouco. Sem qualquer restrição orçamentária, como sói acontecer em produções assim, foi possível contratar estrelas como Charlize Theron, Kerry Washington e Michelle Yeoh sem descuidar da estética, primorosa, que não deixa nada a desejar a tudo quanto já se fez de verdadeiramente revolucionário na indústria do entretenimento nesse segmento. Inspirado no romance homônimo de Soman Chainani, lançado em 2013, o trabalho de Feig e Magee respeita a linha meio pasteurizada do escritor, mas evita a armadilha de incensar o enredo a tal ponto que se torne impossível remexer a cartola e dela tirar alguma lebre a mais. E consegue pelo menos duas boas surpresas.

Enfrentando problemas de adequação social em Gavaldon, povoado em algum do planeta num tempo longínquo, takvez o medievo, as amigas Sophie, vivida por Sophia Anne Caruso, e Agatha, de Sofia Wylie — para que tantas Sofias? —, desejam se lançar ao mundo, mais a primeira do que esta. A personagem de Caruso, branca, loira, aparentemente doce e sonhadora, o estereótipo do que se convencionou entender como a mocinha em histórias do gênero, manifesta esse desejo à amiga, que resiste, ainda que todos saibamos que vai mesmo embora e, naturalmente, há de arrastar Agatha consigo. Feig reproduz a imagem de um imenso pássaro negro as capturando, vista também no texto de Chainani — representação bem elaborada das vontades reprimidas do inconsciente finalmente tomando corpo —, e a fim de conduzi-las à tal escola do título, cindida depois que dois irmãos, mestres nas ciências ocultas e cada qual personificando os lados sombrio e luminoso da alma humana, se enfrentam num conflito mortal. A condução do diretor leva o público a crer que houve um equívoco no destino das protagonistas, mas um lance na metade das quase duas horas e meia de filme, envolvendo o irmão morto e um imenso enxame de abelhas, coloca as coisas em seus devidos lugares.

Feig administra bem a sutileza do que Chainani quer transmitir, deixando no ar, inclusive, a possibilidade de um romance entre as duas personagens centrais, desmontada na última sequência. Ao cabo de tantas reviravoltas, o que se tem é mesmo a exaltação da amizade desinteressada, que sai ainda mais fortalecida quando uma das duas abdica de um amor que desabrocha porque sabe onde deve estar, com quem e por quê.


Filme: A Escola do Bem e do Mal
Direção: Paul Feig
Ano: 2022
Gêneros: Fantasia/Drama/Ação
Nota: 8/10