No decorrer de sua trajetória, o ser humano fica cada vez mais desolado com que se passa no mundo, um lugar a que chega sem convite e sem que lhe consultem, sofre decepções, é desacreditado, se acovarda. Cruza mares, aprendeu a voar sobre eles, faz novas conquistas, mas não tem o condão de se dominar a si mesmo. Vacila, grita, chora. Quanto dos oceanos não será a enxurrada de lágrimas derramadas de saudade, de frêmito, de dor — e de júbilo, de gozo e de amor? Nada do que é humano é estranho à Bula e, sendo assim, preparamos aquela listinha com sete filmes plenos de tudo o que alma tem (de pior e de melhor). infere-se que cineastas são seres extremamente truculentos, certo? Bem, pode-se tomar o argumento por verdadeiro ao se analisar a vida de determinados diretores, mas a verdade mesmo é que a natureza humana é que é violenta, desde que éramos apenas espermatozoides doidos para derrotar todos os outros milhões de concorrentes rumo à concepção. Os títulos, todos na Netflix, obedecem apenas a uma ordem cronológica, inversa, se quiserem, do lançado a menos tempo para o mais antigo, e cabe só a você decidir qual o melhor. Se o corpo precisa de alimento, cuidado, remédio, cura, a pobre alma do homem os demanda com veemência ainda maior. Submerja para o mais fundo de você, volte à superfície e retome o ar.

Dois grafiteiros, Toby e Jay, invadem casas de pessoas muito ricas e deixam a mensagem “Passei por aqui” em suas paredes. É uma forma de dizerem a eles que, apesar de ricos, não são invencíveis. Toby mora com sua mãe, Lizzie, e eles vivem uma relação conturbada. Toby é jovem pseudo-rebelde, emo e misógino. Logo ele e Jay também passarão a ter atritos, quando a personalidade de Toby bater de frente com os objetivos de Jay, que está prestes a ter um filho com a namorada, Naz. Toby acaba invadindo a casa de um ex-juiz sozinho e descobre que o homem guarda muitos segredos obscuros.

Uma mulher acorda em uma cápsula criogênica, sem ter a menor ideia do que está fazendo naquele lugar. Completamente isolada do mundo, contando apenas com um dispositivo chamado MILO, para sobreviver ela precisa buscar no que resta de sua memória um jeito de se libertar antes que o oxigênio acabe. A história principia como um thriller de ficção científica, mas logo se mostra uma alegoria ricamente construída pelo diretor Alexandre Aja e a roteirista Christie LeBlanc de como está sendo a vida de muita gente ao longo da pandemia de covid-19, um cenário de mudanças indesejadas, incerteza, desespero e verdadeiro caos, em que nos vimos todos obrigados a repensar nossas prioridades a fim de não perder o fôlego.

O cinema asiático vem conseguindo quebrar paradigmas e preconceitos e adquire cada vez mais proeminência, em todos os gêneros, dando corpo às tramas mais complexas e trazendo novos olhares sobre questões que se imaginava emboloradas — e faz tudo isso com competência e originalidade, muitas vezes misturando uma série de linguagens fílmicas numa trama só. Em “The Soul”, o assassinato de um grande empresário dá azo a uma investigação minuciosa por parte do promotor Liang Wenchao e sua esposa, a agente A Bao. Aos poucos, eles vão decifrando os muitos mistérios do caso, como o de que todos os que eram próximos ao morto apresentavam razões muito sólidas para acabar com ele. A partir de então, percebem que estão em grande perigo se não descobrirem logo a identidade do criminoso.

Quem gostou de “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” vai aprovar o filme de Kaufman, adaptação do romance de estreia do escritor canadense Iain Reid sobre uma mulher que depois de seis ou sete semanas quer terminar o relacionamento, mas mesmo assim aceita viajar para conhecer a fazenda dos pais do namorado, o que vai fazê-la repensar muitas coisas, o que suscita um fluxo de pensamentos monomaníacos que incluem, sim, romper com o parceiro, mas sugere também mudanças muito mais profundas.

Todos ou, pelo menos, 90% da humanidade, tivemos problemas com nossos pais, em especial naquele inferno interior chamado adolescência. Tudo nessa fase da vida nos fede a conspiração universal contra nossos sonhos e a orientação de pais atentos é fundamental a fim de se manter a sanidade. Mas, e quando se tem uma mãe completamente descompensada, que devota sentimentos muito além de mero amor e zelo? “Fuja” expõe sem nenhum pejo a relação de uma mãe superprotetora e sua filha deficiente física Chloé, a surpreendente Kiera Allen, portadora de necessidades especiais na vida real. Chloé quer provar para a mãe que pode ser independente e levar uma vida normal, mas não tem a mais pálida ideia de como sua vida seguiu tal curso, que tudo poderia ter sido muito diferente e, o principal (sem spoilers, fique tranquilo): em que medida sua mãe é responsável pelo que lhe aconteceu.

“O Céu da Meia-Noite” apresenta a história de Augustine, cientista à beira da morte que decide permanecer no mundo enquanto os demais terráqueos migram para outros pontos da galáxia, a fim de fugir do risco de contaminação radiativa. Augustine acompanha um projeto de exoplanetas, comunidades de colonização fora da Terra, na esperança de que os estudos apontem novas possibilidades de lar para quem saiu do planeta. Ele se depara com duas surpresas: uma criança abandonada no Ártico, que a partir daí passa a fazer parte de seu cotidiano solitário e entediante, e a descoberta de uma equipe de astronautas que regressa de Éter, a lua de Júpiter, com boas notícias. Contudo, Sully, a comandante da missão, não consegue entrar em contato com a Terra porque pensa que não há mais ninguém por aqui.

Em “Tempo Compartilhado”, dois homens unem forças para resgatar seus familiares de um lugar paradisíaco quando ficam convencidos de que um conglomerado americano quer expulsá-los dali. A todo momento, a trama se equilibra entre a crítica acerba à indústria de sonhos artificiais — consumidos sob a forma de férias perfeitas por uma sociedade hedonista, ávida por prazer a qualquer custo — e a sutil comicidade das situações que cada plot insinua. Neste terror nada convencional, a ação sucede à luz do surrealismo, ou feito uma comédia bizarra, que provoca risos involuntários. Uma história nada óbvia sobre personagens nada comuns que consegue manter o espectador interessado até o desfecho.